sexta-feira, 25 de junho de 2010

com o tempo perdi o jeito de ser gente...

Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já começou.
Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.
Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus.
Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.
Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.
Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço.
Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.
Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força - eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.
Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.
No entanto fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram por eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança.

Mas eu, eu não me perdôo. Se eu tivesse feito o milagre de nascer e curar minha mãe. Então, sim: eu teria pertencido a meu pai e a minha mãe. Eu nem podia confiar a alguém essa espécie de solidão de não pertencer porque, como desertor, eu tinha o segredo da fuga que por vergonha não podia ser conhecido.
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho! (Clarice Lispector)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Ψ PSICONEUROIMUNOLOGIA 2


Ψ NA ATIVIDADE CEREBRAL - O Sistema Imunológico afeta o cérebro e a conduta, sobretudo devido aos efeitos imunes das citocinas no Sistema Nervoso Central (Ransohoff).
Ainda que as citocinas sejam moléculas relativamente grandes, particularmente a chamada Interleucina-1 (IL-1), elas podem cruzar a barreira hemato-encefálica.
 Essa IL-1 também é produzida no cérebro, não só pela microglia, que são os macrófagos residentes no Sistema Nervoso Central, senão também pelos astrócitos. A IL-1 periférica pode afetar o cérebro, incluindo a produção de citocinas através do estimulo de fibras aferentes de nervo vago.
 - Existem receptores de citocinas no cérebro, incluindo para a IL-1, IL-8 e Interferon, ambos nas células gliais e nos neurônios. As citocinas têm importante papel no desenvolvimento e regeneração dos oligodendrócitos na produção de mielina. As citocinas também são ligadas ao desenvolvimento da esclerose, dos gliomas, das demências associadas ao HIV, das lesões no cérebro e, provavelmente, da *doença de Alzheimer.
- As citocinas pró-inflamatórias, particularmente IL-1 e o Fator de Necrose Tumoral (FNT) são responsáveis pela ocorrência da febre, do sono, da anorexia e da fatiga na doença. Daí, talvez, a grande prostração que pacientes dessas doenças experimentam.
- O uso terapêutico de citocinas, particularmente do Interferon, pode produzir sintomas psiquiátricos, tais como psicopatias e estados alterados de ânimo, tipo afetivo ou ansioso. O estado de ânimo depressivo, com desesperança e desamparo é associado ao declive rápido de e Células T-CD4. As relações entre o cérebro e a conduta se ilustram bem pela investigação substancial da influência de fatores psicossociais no curso da *AIDS (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida).


NO ESTRESSE
- Os experimentos relacionando imunidade e estresse em animais foram, sem dúvida, a porta de entrada para a Psiconeuroimunologia. Eles datam da década de 1930 e foram iniciados pelo canadense Hans Selye. Esse tema de investigação científica dispõe, portanto, de uma muito extensa bibliografia.

- Tipo de estresse, duração e intensidade do estímulo aversivo, administração de antígenos, etc, são todos temas muito relevantes para a Psiconeuroimunologia.
- O fato de o apoio social ser um importantíssimo modificador dos efeitos deletérios do estresse em experiências com primatas pode sugerir a importância do apoio ambiental na saúde da pessoa estressada. Quando o tipo de resposta do indivíduo ao estresse se caracteriza por uma postura de derrota e pessimismo, o Sistema Imunológico corre sérios riscos.
- O estresse agudo em humanos, cuja fisiologia é semelhante às reações de luta que se vê no reino animal, geralmente aumenta o numero e a atividade das Células NK. Porém isso só ocorre numa primeira fase dessa atitude de defesa (Coe, 1987 e Nallibof, 1991).
- O estresse da vida cotidiana, principalmente nas situações mais exaustivas, tensas e crônicas, pode afetar uma série elementos imunológicos. Entre essas alterações estão as funções de Células T, a atividade de Células NK, a resposta de anticorpos, a função dos macrófagos, a reativação de vírus latentes (como o Herpes Simples), com severas implicações na saúde global da pessoa (Glaser). As relações entre o estresse e infecções são bastante antigas e, inúmeras vezes, constatados por trabalhos experimentais, alguns bastante rigorosos (Friedmam).
- Segundo Cohem (1991), existe uma grande variedade de vírus intranasais capazes de desenvolver alterações imunológicas, tanto através da produção de anticorpos, quanto de infecções, como uma forma de resposta aos aumentos no grau de tensão psicológica. Cada vez mais trabalhos científicos confirmam efeitos danosos do estresse sobre infecções virais e bacterianas.
- Também os hormônios respondem ao estresse, incluindo a adrenalina, os corticoesteróides e as catecolaminas. Esses hormônios têm variadíssimos efeitos na regulação da resposta imune (Buckingham). Em níveis anormais, altos ou baixos, os hormônios afetam a imunidade.
- A atividade intergrada entre o Hipotálamo, a Hipófise e as glândulas Suprarenais, conhecido por Eixo Hipotálamo-Hipófise-Suprarenal, é ativado por eventos psicológicos, regulando assim a secreção de hormônios produzidos na Hipófise e destinados às Suprarenais, como é o caso da corticotrofina (CRF) e do hormônio adrenocorticotrofico (ACTH). Esses, por sua vez, terão efeitos diretos na imunidade.
- O hormônio do crescimento, também estimulado por eventos psíquicos, pode aumentar as funções dos Linfócitos T e NK em animais de experiência. Os hormônios sexuais também afetam a imunidade. A atividade da Célula NK é mais alta na fase lútea de ciclo menstrual e é também estimulada pelos hormônios da tireóide.
- A Psiconeuroimunologia está, assim, se desenvolvendo a passos largos, colaborando fortemente para apagar o incômodo dualismo ainda presente na medicina, o qual separa hermeticamente a mente do corpo.
- A Psiconeuroimunologia contribui para que os pacientes possam compreender que seu corpo é uma somatória integrada e indissolúvel do mental com o orgânico, influenciado significativamente pela experiência de vida e por sua própria sensibilidade. Finalmente, a Psiconeuroimunologia não só deve contribuir solidamente para a compreensão da fisiopatologia médica como da visão holística da medicina.

 Fonte: Ballone GJ, Psiconeuroimunologia, in. PsiqWeb, Internet, 2001, disponível em http://gballone.sites.uol.com.br/psicossomática/psiconeuroimunologia.html
George F. Solomon - Psiconeuroinmunología: sinopsis de su historia, evidencia y consecuencias - 2001, (Psychoneuroimmunology: synopsis of its history, classes of evidence and their implications), disponível em http://www.psiquiatria.com/interpsiquis2001/2713
(Fatima Vieira - Psicóloga Clínica)

Ψ PSICONEUROIMUNOLOGIA 1

                  
Ψ Psiconeuroimunologia é o estudo das interações entre o comportamento, o cérebro, o sistema endócrino e o sistema imunológico.
Atende a tendência da ciência atual, que preconiza a integração entre a Medicina e as Ciências Humanas. A interdisciplinariedade, na compreensão da etiologia e no tratamento de diversas doenças, veio fortificar a concepção holística do ser humano.
A doença já passa a ser entendida como resultado do colapso das defesas do indivíduo, diante do processo de stress agudo ou contínuo. Já não se fala mais, meramente, na doença, mas no homem que adoeceu. A enfermidade não é mais um acontecimento físico-químico, nem somente biológico, antes de tudo, torna-se um acontecimento pessoal. Fatores psicossociais estressantes, as expectativas sociais da vida urbana, tais como as demandas da vida: sentimento de perda, luto, a angústia o desmoronamento dos projetos de vida, influem na saúde do indivíduo.
A sabedoria antiga desde Aristóteles já tinha forte convicção da integração mente corpo, ou seja, "psique" (alma) e corpo reagem complementariamente um ao outro. Uma mudança no estado da psique produz uma mudança na estrutura de corpo, assim como uma mudança na estrutura de corpo produz uma mudança na estrutura da psique.  
- Solomom, Levine, e Kraft demonstraram que nos primeiros anos de vida da criança o estresse poderia afetar a futura resposta dos anticorpos na vida adulta.
- Nos anos de 1960, algumas observações psicossomáticas foram feitas em relação às alterações emocionais que surgiam no início e durante o curso das doenças autoimunes, principalmente em relação à Artrite Reumatóide, ao Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) e ao mal de Graves, (que é um tipo tireoidite), entre outras patologias. Tentava-se, avaliar a força dos elementos emocionais no desenvolvimento de algumas doenças.

 - Uma das observações mais intrigantes, talvez tenha sido o fato dos parentes saudáveis de pacientes com *Artrite Reumatóide também apresentarem uma sorologia característica de anticorpo dessa doença (o fator reumatóide ou Anti-imunoglobulina G), mas, apesar disso e por possuírem capacidade superior de adaptação psicológica à vida, esses parentes não apresentavam a doença.
- Esse fato sugere que o bem-estar psicológico pode ter uma influência protetora, até mesmo contra uma predisposição genética (Solomon, 1964).
- Em 1985 sai o primeiro trabalho sobre o hipotálamo e a evidência direta da modulação neurológica da imunidade (Guillemim).
- Os neurônios do hipotálamo disparam de maneira seqüencial depois da administração de um antígeno (corpo estranho) ao organismo. E o eixo Hipotálamo-Hipófise-Suprarenal se ativa por esse antígeno e por toxinas elaboradas por células pró-inflamatórias (cito-toxinas), num estado semelhante ao estresse.

 - Também se sabe que órgãos imunes, como é o timo, o baço e a medula óssea, recebem inervação do Sistema Nervoso Autônomo, mais precisamente, de sua porção simpática, havendo sinapses nas uniões entre os terminais nervosos simpáticos e as células imunológicas. Portanto, a imunidade se regula cerebralmente, havendo maior influência do córtex cerebral esquerdo na maturação e na função de Linfócitos T, as células imunológicas por excelência.
- Algumas alterações emocionais podem surgir no início e durante o curso de muitas doenças autoimunes. Essas alterações podem incluir forte tensão, sentimentos de insegurança, retraimento social, dificuldade para expressar sentimentos e sensibilidade afetiva muito aumentada.

 - Psicologicamente, pode haver perda da adaptação ou, melhor dizendo, perda da habilidade para atitudes que antes eram eficazes na adaptação. Solomon (1981) estudou essas alterações particularmente na Artrite Reumatóide, uma doença autoimune. Essas alterações emocionais também já tinham sido observadas em relação a outras doenças auto-imunes, como no Lúpus Eritematoso Sistêmico, por exemplo (Fessel).
- Com respeito às alergias, alguns trabalhos da década de 1990 têm constatado que o estresse, a ansiedade e a depressão, retardam significativamente a atividade dos Linfócitos T, proporcionando hipersensibilidades, dermatites e asma (Paciant, Gil, Djuric).


 *QUANTO AO CÂNCER A psiconeuroimunologia do câncer tem sido uma área continuadamente estudada, sempre procurando esclarecer as relações entre as emoções e a vulnerabilidade à essa doença, bem como à ocorrência e agravamento das metástases.
- A agressividade e malignidade entre tipos diversos de câncer é variável, conseqüentemente, varia também a habilidade de Sistema Imunológico em resistir a determinados tipos específicos desses cânceres (Lewis).

 - A imunoterapia está ganhando atenção, particularmente para o tratamento de melanomas, linfomas e câncer da mama.
 - As "toxinas de Cooley" tinham pouca eficácia antes de advento da quimioterapia, agora já são conhecidas como poderosos estimulantes imunológicos.
- O Sistema Imunológico é o responsável pela vigilância do organismo contra a proliferação de células cancerígenas. Algumas células do Sistema Imunológico são destinadas a destruir essas células anômalas que poderiam transformar-se em câncer e que nosso organismo, em seu estado natural, está sujeito à produzir esporadicamente. Entre essas células vigilantes estão as Células NK (Natural Killer).

 - Muitos estudos experimentais e clínicos em humanos e em animais têm mostrado que as Células NK, importantíssimas na vigilância contra as células neoplásicas e na prevenção de metástases de câncer, podem ser sensíveis à influência de fatores estressores e psicossociais.
- Constata-se, cada vez mais, que o estresse pode aumentar substancialmente a extensão e a probabilidade de metástases em câncer de mama em ratas devido à supressão da função das Células NK (Ben-Eliyahu).

 - Um estudo de intervenção psicoterapêutica em pacientes com câncer de pele (melanoma) foi realizado por Fawsy (1993). Comparou-se um grupo pacientes com melanoma maligno e que participaram de um grupo de atenção psiquiátrica durante seis meses, com um grupo controle, composto de pacientes portadores da mesma doença mas sem acompanhamento psicoterápico.
- **Os pacientes com melanoma maligno e participantes do grupo psiquiátrico, mostraram menos dor e maior atividade das Células NK que o grupo controle, de pacientes com esse mesmo quadro mas não participantes do programa de atenção psicoterapêutica. Os pacientes do programa de atenção psicoterapêutica mostraram ainda menos recorrência e metástases, além de uma sobrevida maior que seis anos.


 * IMUNIDADE E DOENÇA MENTAL:  As diferenças individuais no comportamento, nos estilos pessoais de enfrentamento dos conflitos, nos traços de personalidade e psicológicos podem acompanhar diferentes características imunológicas. Amkraut, em 1972, percebeu que ratos dotados de maior comportamento de luta espontânea mostravam maior resistência imunológica à indução de vírus tumorais. Kamen-Siegel constatou em idosos que um estilo pessimista em relação à vida se correlacionava com baixa imunidade.
- De um modo geral, as anormalidades imunológicas que ocorrem junto com transtornos psicoemocionais devem ser dividido em dois grupos; aquelas associadas às desordens afetivas e aquelas associadas à esquizofrenia.

- No caso das desordens afetivas (depressão) a baixa imunidade apareceria como consequência e na Esquizofrenia como comorbidade. De qualquer forma, a constatação da contribuição de processos imunológicos em doenças mentais e vice-versa é muito problemática. Desde a década de 80 tem-se documentado muito bem alguns elementos importantes entre funções imunológicas e depressão (Miller).
Em casos de estados depressivos mais graves, a função dos Linfócitos T declina de uma forma idade-dependente. Isso significa que pessoas jovens e com testes psicológicos sugestivos de depressão não tiveram déficit no funcionamento de células T mas, pessoas mais velhas e com os mesmo resultados nesses testes para depressão, sofrem diminuição significativa da imunidade (idade-dependente).
- A reativação de vírus latentes também pode ocorrer na depressão. Essas experiências forma mais comumente constatadas com o vírus do Herpes Simples.

 - *A depressão não é associada apenas à diminuição ou supressão da imunidade, mas também com sinais de ativação alterada do Sistema Imunológico. Essas alterações são o que ocorre nas doenças chamadas Autoimunes.
- Também se constata que os tratamentos efetivos para a depressão costumam ser acompanhados, gradualmente, do retorno da normalidade imunológica.
Fonte: Ballone J. Psiconeuroimunologia, in. PsiqWeb, Internet, 2001, disponível em http://gballone.sites.uol.com.br/psicossomática/psiconeuroimunologia.html
George F. Solomon - Psiconeuroinmunología: sinopsis de su historia, evidencia y consecuencias - 2001, (Psychoneuroimmunology: synopsis of its history, classes of evidence and their implications), disponível em http://www.psiquiatria.com/interpsiquis2001/

(Fatima Vieira - Psicóloga Clínica)