"A cabeça que se tornará um crânio já está vazia. A loucura é o 'déjà-là' da morte." ...
"A morte como destruição de todas as coisas não tinha mais sentido quando a vida se revelou uma sequência fatídica de palavras vazias, o tilintar oco do boné e dos sinos de um bobo da corte." (Michel Foucault)
MarkAcetelliArtworks
*Na visão de Foucault essa negação da morte ocupa um aspecto central da condição humana que na loucura é exacerbada.
*Freud: vê a psicose como produto de uma perturbação das conexões entre o eu e o mundo exterior, e a partir disso pergunta: “qual será o mecanismo, análogo a uma repressão, pelo qual o eu se livra do mundo exterior? Na neurose, o ego suprime parte do id por fidelidade à realidade, enquanto na psicose ele se deixa levar pelo id e se desprende de uma parte da realidade”. Segundo a psicanálise freudiana, o episódio psicótico acontece quando o indivíduo é eclipsado; quando, diante da frustração da perda de um objeto, esse indivíduo direciona a libido para si, num esforço de investir desesperadamente em seu ego, nesse movimento desesperado de se sustentar, o psicótico se oculta no circuito autoerótico de um corpo despedaçado.
*Lacan: Em 1967, Lacan declarou: “o louco é o homem livre e não um indivíduo alienado". Miller entende isso como uma advertência contra a noção de que a descompensação psicótica era automática. Assim refere Miller: "Vejo nisso uma advertência contra o fato de que estamos nos cegando quando entendemos a forclusão primária como um mecanismo incondicional... Estamos implicitamente usando um raciocínio mecanicista". Em sua interpretação um significante especial se instala durante o complexo de Édipo: o significante paterno ou Nome-do-Pai. Este significante nomeia o desejo da figura materna com o qual a criança é primeiramente confrontada e abre a dimensão da lei. Através do Nome-do-Pai as pessoas entendem a si mesmas e aos outros em termos de regras e padrões que devem obedecer. Eles usam esse significante para dar sentido ao desejo e isso os ajuda a vivenciar a permanência nas relações sociais. Segundo Lacan uma estrutura psicótica emerge da 'forclusion' (rejeição, repúdio) do Nome-do-Pai. Trata-se de um significante, o Nome-do-Pai, que foi rejeitado da ordem simbólica da linguagem reaparecendo no real sob forma de alucinação. Este significante tem como correlativo o significado da castração. O sujeito psicótico, não tendo passado pela castração simbólica, vê-se, em determinadas condições, confrontado com a castração real. Em vez de ser integrado ao inconsciente do indivíduo como acontece no recalque, essa rejeição retorna em forma de alucinação no mundo real.
Vlada Hauser
*Jung: Refere psicose como uma dissociação extrema da personalidade. Enquanto na neurose, os complexos são apenas relativamente autônomos, na psicose, eles são completamente desconectados da consciência. Ter complexos é em si normal; mas se os complexos são incompatíveis, aquela parte da personalidade que é muito contrária à parte consciente se separa. Se a divisão atinge a estrutura orgânica, a dissociação é uma psicose, uma condição esquizofrênica, como o termo denota. Cada complexo então vive uma existência própria, sem nenhuma personalidade restante para uni-los. Ele refere: "Na esquizofrenia as figuras cindidas assumem nomes e personagens banais, grotescos ou altamente exagerados, e são frequentemente questionáveis de muitas maneiras. Além disso, elas não cooperam com a consciência do paciente. Elas não são diplomáticas e não têm respeito pelos valores sentimentais. Pelo contrário, elas invadem e causam distúrbios a qualquer momento, atormentam o ego de centenas de maneiras; todas são questionáveis e chocantes, seja em seu comportamento barulhento e impertinente ou em sua crueldade e obscenidade grotescas. Há um caos aparente de visões, vozes e personagens incoerentes, todos de uma natureza esmagadoramente estranha e incompreensível." Jung acreditava que muitas psicoses, e particularmente a esquizofrenia, eram psicogênicas, resultantes de um rebaixamento do nível mental e de um ego fraco demais para resistir ao ataque de conteúdos inconscientes. Ele reservava o julgamento sobre se fatores biológicos eram uma causa contribuinte.
*No cerne das Abordagens Psicodinâmicas da esquizofrenia está a ideia de que os sintomas psicóticos não são fenômenos aleatórios, mas expressões ricas e simbólicas do mundo interior do paciente. Alucinações e delírios são representações concretas de ideias abstratas, desejos e conflitos. Esses sintomas se desenvolvem em resposta a uma autoimagem avassaladora e intolerável. Como Arieti observou, “Quando o paciente não consegue mais mudar a situação insuportável de si mesmo, ele tem que mudar a realidade... suas defesas se tornam cada vez mais inadequadas, o paciente finalmente sucumbe e a ruptura com a realidade ocorre.” O objetivo central do trabalho psicodinâmico em psicoterapia é ajudar os pacientes a reconstruir o significado emocional de seus sintomas psicóticos no ambiente de contenção protetora do relacionamento terapêutico.
*Psiquiatria: A tendência da psiquiatria de hoje é atribuir o processo psicótico à alteração na anatomia, bioquímica e eletrofisiologia do cérebro, isentando assim o sujeito, ou seja, a pessoa afligida, da responsabilidade pelo apego à realidade e sua sanidade. Segundo o manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5), o espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos inclui esquizofrenia, transtorno (da personalidade) esquizotípica. Esses transtornos são definidos por anormalidades em um ou mais dos cinco domínios a seguir: delírios, alucinações, pensamento (discurso) desorganizado, comportamento motor grosseiramente desorganizado ou anormal (incluindo catatonia) e sintomas negativos.
*Tratamento: Geralmente inclui medicamentos antipsicóticos. Existem vários tipos de medicamentos antipsicóticos, e eles têm efeitos colaterais diferentes, então é importante seguir a orientação médica para determinar o medicamento que é mais eficaz. Há um suporte substancial de pesquisa para o cuidado especializado coordenado, que é uma abordagem de equipe multiprofissional e orientada para tratar psicose que promove fácil acesso ao cuidado e tomada de decisão compartilhada entre especialistas, a pessoa que sofre e membros da família.
*Fonte: Foucault M. , Loucura e Civilização: Uma História da Insanidade na Era da Razão.
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais [recurso eletrônico]: DSM-5 / [American Psychiatric Association ; trad. Maria Inês C. Nascimento... et al.]; P.A: Artmed, 2014.
Freud, S. “Luto e melancolia”, “Neurose e psicose”, “A perda da realidade na neurose e na psicose".
Lacan, J. "Conferência em Genebra sobre o Sintoma".
Jung, C.G. "Psicogênese das Doenças Mentais"