segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014
Ψ O Sonho de Jung
"Tive um sonho que me assustou e me animou ao mesmo tempo.
Era de noite, e encontrava-me num lugar desconhecido.
Avançava com dificuldade contra um vento forte.
Uma densa bruma cobria tudo.
Nas minhas mãos em forma de taça, tinha uma débil luz que ameaçava extinguir-se a todo o momento.
A minha vida dependia dessa débil luz, que eu protegia preciosamente, derrepente, tive a impressão de que algo me seguia. Olhei para trás e apercebi-me da forma gigantesca de um ser que me seguia e avançava atrás de mim. Mas ao mesmo tempo estava consciente de que, apesar do meu terror, devia proteger a minha luz através das trevas e contra o vento.
Ao acordar dei-me conta que a forma monstruosa era a minha sombra, formada pela pequena chama que tinha acendido no meio da tempestade. Sabia também que aquela frágil luz era a minha consciência. A única que possuía, confrontada com o poder das trevas, era uma luz, a minha única luz." (Recuerdos, Sueños e Pensamientos – Carl Jung)
De acordo com Jung, a Sombra é a parte da personalidade que a pessoa não reconhece em si mesma.
Ainda que repudiada, ela é parte integrante de nossa natureza, não podendo ser simplesmente eliminada.
A Sombra pode ser também um campo fértil, fonte de espontaneidade, vitalidade e principalmente de criatividade.
O encontro com a própria Sombra é parte importante do que Jung chamava de Processo de Individuação.
A sombra sempre está aí atrás de mim e me observa.
Se fixo somente a luz… não vejo a sombra.
Se mergulho na escuridão… não vejo a luz.
Percebo-a pela projecção. Aumento-a pelo significado.
Só no equilíbrio encontro a totalidade e portanto, sou livre.
A luta é sempre interna. E sem máscara me reconheço.
Me liberto dos medos e me curo.
Sei que é neste movimento entre a luz e a sombra que me transmuto.
Então me permito sonhar e deixar cada um seguir o seu sonho.
O filme "Cisne Negro" ilustra o lado sombrio. Uma Análise Psicológica do filme
No filme Natalie Portman representa Nina, uma bailarina perfeccionista que queria dançar o cisne negro no balé de Tchaikovsky 'O Lago dos Cisnes'.
Nina é uma jovem aspirante ao sucesso, dominada pela figura materna e emocionalmente insegura.
Vivendo uma vida excessivamente controlada, busca sempre pela perfeição.
Representar o Cisne Branco não lhe oferece dificuldades, devido a sua característica de doçura e delicadeza.
Mas para dançar o Cisne Negro é necessário que ela penetre no lado sombrio de si mesma e para isso lhe faltava sensualidade, energia e agressividade.
Os cisnes simbolizam dois arquétipos importantes: PERSONA e SOMBRA.
Nina encontra seu psiquismo dividido entre sua personalidade de menina frágil e sua sombra de uma mulher sedutora e espontânea, características castradas por uma figura materna ambivalente.
A mãe de Nina: Uma bailarina frustrada que projeta seu fracasso na filha, pois ao engravidar tinha deixado de dançar.
Carregada de ódio e frustração, se utilizando do mecanismo de defesa de Formação Reativa, superprotegia Nina, mutilando seu psiquismo, não permitindo que esta crescesse livre e independente.
Formava com ela uma díade doentia, onde sua filha não podia pensar, nem ter um corpo próprio.
Sendo assim, Nina não pôde se constituir enquanto sujeito separado da mãe, construindo um falso self.
Segundo Joyce McDougall, as díades 'uma mente para dois' e 'um corpo para dois', produzem psicose e transtornos psicossomáticos respectivamente.
Nina tinha que ser infantil, seu quarto era cheio de bichinhos de pelúcia, dependia da mãe até para cortar as unhas.
A mãe precisava sentir-se necessária na vida da filha.
Não permitia que esta pensasse seus próprios pensamentos nem que sentisse os pedidos de seu corpo.
Pensava e sentia por ela e esta, para responder ao desejo da mãe e ter assim seu amor que era condicional, reprimia seus desejos, a mulher sensual e agressiva que havia nela. Projetava em outras mulheres sua sombra, invejando-as, querendo ter o que depositava nelas.
Seu inconsciente trabalhava querendo equilibrá-la, buscando torná-la um verdadeiro self, mas a cisão estava presente, constituindo um quadro paranóico, incrementado por sintomas de transtorno alimentar.
Não podia ter um corpo de mulher adulta, sendo assim provocava o vômito, não engordando, não deixando aparecer suas curvas femininas.
Roubou o baton e os brincos de Bete, a bailarina que até então dançava o cisne negro. Quando a bailarina perdeu seu lugar no balé, Nina deslocou sua inveja a outra bailarina que se mostrava mais solta, livre, sem muita técnica, mas encantando com sua sensualidade.
A projeção de sua sombra em Lily (nome da primeira mulher expulsa do paraíso por Deus por não ser submissa ao Adão) vai se tornando cada vez mais perigosa, pois começa a delirar e alucinar misturando-se com ela na sua fantasia.
Nina começa a mesclar suas roupas, ora branco, ora preto, buscando inconscientemente a interação de opostos, atuando, não refletindo sobre o que ocorria com ela, mostrando seu desequilíbrio cada vez mais evidente.
Mutilava-se nas costas, coçando até ferir. Desejo de ser acariciada? É sempre do lado esquerdo, lado do coração, da emoção.
As costas representavam seu inconsciente, algo que não podia ver, mas que gostaria de ter acesso.
Mais à frente no filme, em suas alucinações, vê asas do cisne negro nascendo em suas costas. Seu desejo realizando-se em seu delírio.
Nina, garota virginal, pura, presa num corpo de cisne branco, como nos contos de fada precisa de um príncipe para libertá-la. Só um amor pode quebrar o feitiço feito pela bruxa mãe.
O príncipe, animus, representado pelo diretor da peça de balé, faz a ponte para a integração entre persona (pura, virginal, cisne branco) e sombra (sensual, agressiva, cisne negro).
Em seu processo de integração da sombra, seus núcleos homossexuais vem à tona, pela não incorporação da sensualidade nela, seu desejo de liberdade, de viver sua sexualidade ainda não constituída devido à relação simbiótica com a mãe e delira concretizando em alucinação, uma relação homossexual com Lily, seu objeto de inveja e depositária de suas projeções.
Reivindica o lugar de cisne negro ao diretor que escarna dela.
Ela, usando o baton vermelho roubado da antiga bailarina o beija e morde-o mostrando em um lapso a sensualidade e agressividade reprimidas e perdidas em seu inconsciente que precisavam vir à tona.
O diretor dá a ela o lugar pedido. Agora, na busca de perfeição, quer trazer à tona a mulher sensual represada nela.
Machuca o pé, representante de falo, pois é ambivalente, tem medo de realizar o desejo de independência, se tornando uma mulher adulta.
Após sua aproximação do diretor da peça através da sedução, surgem espinhas em seu rosto.
Quer ficar feia, indesejável para se defender de seu desejo sexual que está à flor da pele.
Resiste à mudanças, ao novo.
Ela dança solta, sensualidade e agressividade emergem compondo sua sexualidade.
Vive intensamente a ambivalência entre o desejo de ser mulher e o medo que a mantém infantil, dependente, pura.
Sabe que o mundo dos adultos é fascinante, mas também perigoso.
Entregar-se a um homem, apaixonar-se envolve ganhos e perdas.
Segue ambivalente com relação ao diretor da peça e esta ambivalência aumenta quando fica sabendo do atropelamento de Bete, a antiga bailarina que dançava o cisne negro.
Esta foi mutilada por um atropelamento que sofreu e pela vida quando perdeu seu lugar na peça e no coração do diretor desta.
Nina vai visitá-la assustando-se ao vê-la. Devolve os objetos roubados pois não há mais o que invejar.
Tem medo e desejo frente ao lugar que pretende ocupar. Entra em conflito com a mãe que não está suportando seu crescimento e tenta bloqueá-lo.
Nina está lutando, buscando seu espaço tentando romper a simbiose com a mãe, procurando sua identidade, mas sua fragilidade egóica é grande.
Mistura-se cada vez mais com Lily, sentindo-se perseguida por esta, acreditando que perderá seu lugar para ela.
No dia da estréia, dança o cisne branco, caindo, quebrando com isto o encanto da perfeição.
A moça pura cai das mãos de seu companheiro de dança, representando sua dificuldade em confiar nos homens.
Confia só em si mesma. Vai para o camarim e alucina que Lily tomará seu lugar dançando o cisne negro.
Entra em luta corporal com esta, matando-a em sua alucinação para assumir o lugar.
Não consegue integrar a sombra tornando-se mulher, para isto precisa exterminar com uma parte sua.
Volta ao palco dançando maravilhosamente o cisne negro alucinando ser o próprio.
Após a volta ao camarim descobre que não matou Lilye sim que se feriu gravemente com o espelho que quebrou.
Tirando de sua barriga o vidro com que se feriu, começou a sangrar.
Voltando ao palco realizando a dança de sua vida, com a perfeição que exigia, não resiste ao ferimento, terminando o espetáculo com sua morte, sendo ovacionada num primeiro momento pela sua representação, deixando todos consternados depois quando viram o que havia ocorrido.
Sua mãe estava no palco assistindo. Em sua fragilidade emocional, não conseguiu tornar-se uma mulher integrando seus aspectos sombrios à persona, permitindo-se amar um homem, representante de seu animus, completando-se, deixando seu vínculo simbiótico com a mãe para trás.
Tentou com todas as suas forças, mas rompeu com a realidade. Seu inconsciente se mobilizou produzindo sintomas.
Segundo Jung, quando algo não vai bem o arquétipo self fica ativado produzindo sintomas, levando a pessoa a um novo ponto de equilíbrio.
Desta experiência poderia surgir renovada, mais completa ou estilhaçar-se totalmente. Infelizmente o fim foi trágico, como na maioria das grandes estórias de amor.
Fonte: Profa. Dra. Denise Hernandes Tinoco, Doutora em Psicologia Clínica PUC/SP.
(Fatima Vieira - Psicóloga Clínica)
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3 comentários:
obrigada por texto tão interessante que nos dá a idéia da complexidade da psique humana.
um abraço
Olá Guaraciaba Perides,
agradeço sua visita
um abraço!
Conteúdo interessante,profundo e esclarecedor nessas relações de fragilidade emocional e adoecimento entre mãe e filha..
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