domingo, 16 de outubro de 2011

(...) somos instantes

imagem: George Kotsones
 Deus não permita que nada mais perturbe minha alma já perturbada. Não fique entediado por ter me criado... eu também estou decepcionada. Só peço que continues olhando por mim... sei que esta prece não é teu alimento, pois vives muito bem sem ela... e sei que vives muito bem sem mim. Eu é que não existo sem Ti!
Prefiro a noite, me acerto com meus fantasmas, só dispenso as noites frias e chuvosas... Já em noite de lua cheia, meus fantasmas ficam mais apresentáveis. Entretanto, durante o dia, tudo fica mais difícil, aí são os humanos que me desconcertam: eles falam e riem demais... uma lástima!
SOBRE OS ELOGIOS: Ela reclamou das purpurinas: me conheço, não sou assim tão maravilhosa e nunca fui flor que se cheire... ou, para santa não sirvo, tenho lá meus defeitos, dos quais sei de cor e salteado.
Então ela diz ficar perplexa e assustada com os elogios. É que ela tem recebido mel e fel, não necessariamente nesta ordem, pois seus dias tem sido mais amargos ultimamente.
Isso porque ela é de difícil contato, reservada, se fosse mais sociável, estaria toda estropiada. Me contou outro dia, que acordou toda quebrada, tinha recebido outro golpe daqueles gratuitos, que a vida dá de bandeja e fica à espreita, cínica e debochada, vendo como ela iria se virar... Diz ela, que está preparando uma surpresa para a vida... Deixe estar...
DAS RELAÇÕES DE PODER: São só vaidades, frivolidades, jogos, prepotências... Tudo passa, nos labirintos do poder esconde tua pequenês. Lembre-se sempre, que grande parte das relações interpessoais não passam de projeções, portanto, fique atento ao olhar alguém de cima. É tua própria insignificância que estais contemplando. Não sejas tão rude, nem tão condescendente, tente acima de tudo ser justo.

EU NÃO SOU LOUCO”: na ânsia pela normalidade, mata-se a singularidade, o que se tem de mais genuíno. A unanimidade das massas tem comprovado que não é tão lúcida. Ser domesticado também cansa. O “homo sapiens” está se transformando em "homo suínus". O mundo transformou-se num banquete onde o porco come o próprio pernil. E louco são os que não participam da orgia... quem preserva sua ética, sua identidade não negocia sua alma, digo, sua liberdade, seu voto, esse é o insano.
(...) o rio segue seu curso e não se repete, assim como não se pode ser infeliz duas vezes da mesma maneira tanto a minha infelicidade quanto a do mundo, são momentos únicos. 
Ela diz estar desconfortável no mundo, e diz que escrever é tagarelice às avessas.
Eles não toleram o silêncio, meu Deus como falam... e quando perturbados pelo excesso das palavras insanas, invadem o silêncio alheio. Então avançam sinal, com ruídos desarticulados que eles chamam de linguagem.
O mundo é uma bola cheia de letras, ruídos, sons mal articulados e buzinas, até os pássaros estão confusos. Não vou dizer que o mundo é de todo mal, que as pessoas são perversas e tal, mas posso afirmar sem medo de errar, que esse mundo do jeito que vai é o pior lugar para ser feliz... e viver nesta tagarelice é o pior castigo,  o inferno são os outros?

"Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo."
(Fatima Vieira in: fragmentos dos cinquenta minutos que valeram à pena)

(...)

"No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar:
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento."
(Mario Quintana)













Ψ personalidades dominadas pelos instintos


Ψ ADIÇÃO A DROGAS: A palavra ADICÇÃO insinua a urgência da necessidade e a insuficiência final de todas as tentativas de satisfazê-la. Existem adictos sem drogas (dependentes de comida e outros). O que difere as drogas de outras adicções é o seu efeito químico. Mas o que vai determinar a patologia enfim, é a estrutura psicológica do paciente.
A busca primeira é repor o que fica perdido, repor a incompletude com objetos ideais, com coisas substitutas. Tenta-se a defesa da angústia com um objeto postiço, procurando-se encontrar uma peça móvel que supra esta incompletude. Esta busca por coisas que possam tapar este buraco, impreenchível, pode-se tornar intensa.
As drogas, o álcool, os remédios, a comida, os jogos, as compras... constituem promessas irrecusáveis de recuperar esta fenda. A perda irreparável imposta pela realidade torna-se precisamente a perda destes objetos substitutos. A ausência do objeto é intolerável, produz abstinência e angústia. O mercado sabe muito bem tirar proveito desta falha humana. Fornece substitutos, escravizando o consumidor. Os efeitos que os drogadictos buscam são sedativos ou estimulantes. O adicto é aquele para quem o efeito de certa droga tem significado sutil, imperativo. Ele passa a depender deste efeito, dependência esmagadora a ponto de anular todos os demais interesses. Todos esses desejos vão sendo substituídos pelo "desejo farmacológico."

Esses indivíduos apegam-se a toda oportunidade de fugir com mais presteza da dor, sofrimento e frustrações. A droga ingerida via oral remete ao estádio arcaico do desenvolvimento libidinal antes de qualquer organização, ou seja, a orientação oral do bebê que pede gratificação sem capacidade de troca, pois neste estádio não se tem uma construção de realidade que permita o dar e receber.
Ao se constituir como sujeito, ao ocupar um lugar no discurso, o falante esvazia o objeto. Lacan dá o exemplo do lactente quando diz: é a criança que se desmama, é a criança que se separa do peito, na medida em que se constitui sujeito. Podemos pensar que é o usuário que dispensa a droga, que não adianta separá-lo da droga se ele a quer. Como a criança de peito, que busca somente a satisfação da nutrição, isto esmaga a demanda de amor em relação à mãe. Não é a solução do desejo. Sua função é a de satisfação da necessidade. O desejo é outra coisa. Os programas relativos a drogadição deveriam apontar, então, para o sujeito.já a droga via seringa, como qualidade simbólica genital remete ao prazer que o indivíduo obtém pela pele, sendo de índole passivo-receptiva.
A droga eleva a autoestima, e enquanto durar esta exaltação as agitações eróticas e narcísicas são supridas. SIMMEL, fala em "mania artificial", a exaltação produzida pelas drogas. Observa-se que nas fases finais da doença os adictos alternam períodos de exaltação e "depressão do dia seguinte", que é o equivalente da alternância entre a fome e a saciedade do bebê ainda psiquicamente indiferenciado. No final a agulha é usada menos pelo prazer e muito mais pela proteção (inadequada) contra uma tensão intolerável, que se relaciona com a fome eo sentimento de culpa.A fantasia de imortalidade, a certeza da indestrutibilidade do corpo, de que o corpo não se estraga, induz o adito a licenciosidades possíveis e impossíveis para testar limites (?) .
Não se trata, nesta idéia, de uma conformação das escolhas dos gozos, ao contrário, o sujeito fissurado já está conformado. Ele não tem mais escolha. Não se trata somente de um epsódio obsessivo, mas principalmente de uma exclusão do real da morte, o que autorizaria a banalização de doenças. Isso ocorre, nas rodas de seringas, onde a circulação de restos de sangue e de secreções abre possibilidades de contaminação. Então, paga-se com o corpo.

PSICOTERAPIA NAS NEUROSES IMPULSIVAS E NAS ADIÇÕES: Admite-se que o tratamento Psicoterapêutico deve ser tentado sempre que possível. Se se deixar inalterar a disposição pré-mórbida do adicto após a retirada da droga, o paciente não tardará a sofrer a recaída. A Psicoterapia não combaterá o EFEITO QUÍMICO da droga, mas o desejo mórbido de ficar inebriadamente exaltado e eufórico.
Quanto mais recente a ADIÇÃO, melhor o prognóstico.
Já em outras formas de comportamento impulsivo o prognóstico vai depender primeiro dos mesmos fatores que influem nas perversões e segundo, da forma porque a intolerância à tensão responde ao tratamento.
 Faz-se necessário aumentar a consciência da doença no paciente e reforçar-lhe o desejo de cura antes de iniciar a Psicoterapia propriamente dita. Lacan fala da estrutura subjetiva enquanto nó borromeano (1976 - 1977).
É a partir do corte deste nó que a estrutura pode ser analisada. Este corte faz cair o objeto a e possibilita ao gozo entrar no discurso. Trata-se, então, de mudar de posição para constituir um sujeito em um significante para outro significante, e não mais para um objeto.
Quando se toma um sujeito em análise, toma-se-o pelo seu discurso; portanto, o que está em análise é efeito de discurso. O corte do nó, por sua vez, possibilita que o gozo entre no discurso, porque ocorre uma mudança de registro. Muda a condição de escuta do analisando, amarrando-se de outro jeito. Nesta perspectiva, o que acontece nas adições é a busca da totalidade, da solução imediata, que dispensa o falante de confrontar-se com o desejo, pois o que ele não quer é, justamente, pagar o preço da castração. [...] temos o discurso analítico que, quando se aceita entendê-lo como o que é, se mostra ligado a uma curiosa adaptação porque, se é certa esta história de castração, quer dizer que no homem a castração é o meio de adaptação à sobrevivência" (Lacan, 1971-1972).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 

 FENICHEL, Otto - Teoria Psicanalítica das Neuroses - Livraria Atheneu - Rio de Janeiro - São Paulo - 1981
FREUD, S. (1937). Análise terminável e interminável. In: ______. Ed. Standart brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Ed Standart Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio de Janeiro, 1974.
LACAN, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: ______.
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. ________. As psicoses.

O Seminário III. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
Adão Luiz Lopes da Costa, *DROGAS. PAGAR COM A CARNE? *
(Fatima Vieira - Psicóloga Clínica)

Ψ outros fragmentos dos cinquenta minutos que valeram à pena...

Prefiro a guerra das flores a mais humana das lutas.
Aos que fracassaram muitas flores, aos outros a semente... 

Há que se semear e muito, até colher as belas flores e a fragrância do canteiro alheio nem sempre é mais doce...
… mas preciso aprender a dizer Bom Dia! como todo mundo, é que pela manhã meus fantasmas ainda ruminam.
Um colar, brinco e anel, o batom, é claro! Falar o necessário, comer idem... Tenho a impressão que toda "falácia" é só para protelar o que tem que ser feito!
Pois nas longas noites de inverno meus sonhos não tem sido tão coloridos, acabo aquecendo meus fantasmas e todos os outros do inconsciente coletivo.
Começa mais um dia sabe como eles se cumprimentam? Bommm Diaaaa!!!!
 (e no decorrer do expediente, tratam de esmagar o dia do outro).
Tem dias que as palavras como seiva doce descem macias, em outros seiva amarga destilam seu veneno e me maltratam... Eu sei o que estou dizendo!
Escrevo para preencher espaços vazios da alma. Tem dias que minha alma não aceita palavras derramadas, ela quer poesia elaborada, mas não tenho paciência para rimas nos dias em que sou um vendaval solto, um mar revolto, um bicho acuado... poesias desconexas... um dia saberei o que dizer!
E vou além, nada mais me assusta, a morte até perdeu seu mistério... o segredo? É viver o aqui e agora, ainda que certos momentos sejam de puro tédio. A felicidade até existe "quem foi que disse que a vida é somente riso nunca pranto, como se fosse a primavera, não é tanto..." (João Bosco)
Por vezes fico só e quieta olhando o nada, (a morte deve ser um pouco isso), não me sinto nem aflita nem feliz, apenas vivo! Não é porque cantam os pássaros que são mais felizes, eu já ouvi tristes melodias e em dias ensolarados!
A chuva barulhenta, o inverno gelado, o vento raivoso não mais me afligem, nem choro mais... Lágrimas também secam após um certo tempo.
Eu escrevo por puro desespero e por autocompaixão, é uma forma de continuar existindo. Mas dói o meu ombro direito... Meu Deus e quando eu não poder escrever meus delírios???
São apenas fragmentos de uma vida vivida e sofrida que escolheu o silêncio e a solidão como companhia mas aceita outras solidões avulsas...
Não é que não me reste mais nada, tenho até um animal de estimação, uma abelha e tenho as violetas logo, não sou tão só assim...
Os dias nublados foram longos e deixaram marcas, eu não devo mais nada a ninguém, e quanto à vida parei de reclamar, estamos quites !
Sobre o Amor: Ah esse é tão delicado e forte... quando correspondido é o êxtase, do contrário, SINTHOMA!
 Ele estava ao seu lado o tempo todo, a dama envolvida com a sua dor não o via...
(Fatima Vieira in: fragmentos dos cinquenta minutos que valeram à pena)

.. que anjos suaves te guardem!




















imagem : Farncisco Botelho

sábado, 1 de outubro de 2011

Ψ suportar a culpa é preferível à angústia.

imagem: boris kustodiev
Angústia: O desamparo biológico do bebê leva-o a estados de alta tensão dolorosa, onde o organismo é inundado por quantidades de excitação que lhe excedem a capacidade de controle, são chamados de estados traumáticos.

- O sofrimento dos estados traumáticos inevitáveis dos primeiros anos de vida, ainda indiferenciados, ainda não idênticos a afetos definidos ulteriores representa a raiz comum de vários afetos futuros, e também, da angústia.

 As sensações desta "angústia primária", podem ser consideradas de um lado, como a maneira pela qual a tensão se faz sentir e, por outro, como a percepção de descargas de emergência vegetativas involuntárias.

- A angústia primária não é criada pelo ego; é criada por estímulos externos e internos, ainda incontrolados; na medida em que ela se experimenta como sentimento doloroso consciente, é experimentada passivamente, tal qual alguma coisa que ocorre ao ego e tem de ser aturada.

- Em pessoas que tem que suportar fatos traumáticos, ocorrem experiências que são comparáveis à angústia primária. Os ataques incontroláveis de angústia esmagadora, que se sentem como alguma coisa terrível a inundar uma personalidade desamparada, constituem sintoma típico de neuroses traumáticas.

 - Tipo semelhante ocorre na excitação sexual (e talvez agressiva também), quando não se permite que siga seu curso normal. Daí ser provável que a angústia traumática ou pânico, seja a mesma coisa que a angústia primária: a forma pela qual uma insuficiência de controle, (um estado de que se está inundado de excitação) é passiva e automaticamente sentida.

- Quando a criança aprende a controlar seus movimentos, atos intencionais pouco a pouco vão tomando o lugar das simples reações de descarga; a criança já pode prolongar o tempo entre o estímulo e a reação, com o que realiza certa tolerância da tensão.

- A capacidade de "ir tentando" que assim se adquire altera a relação do ego para com os seus afetos. Estes são síndromes de descargas arcaicas que suplantam os atos voluntários em certas condições excitantes.

- O ego em desenvolvimento já aprende a "amansar" afetos e usá-los para os próprios fins intencionais. Isto também se aplica à angústia.

- Com a imaginação previsora, mais o planejamento resultante de atos ulteriores adequados, forma-se a ideia de perigo. O ego julgador declara poder tornar-se traumática uma situação que ainda não o é, juízo, que cria condições semelhantes às que são criadas pela própria situação traumática muito menos intensas. Isto o ego também experimenta como angústia, mas é imensa a diferença entre este temor e a angústia original.

- Já não é o ataque esmagador de angústia, e sim temor mais ou menos moderado que se experimenta como angústia, e sim temor mais ou menos moderado que se experimenta e que se utiliza como sinal ou medida protetora.

- Esta angústia, por assim dizer o que pode acontecer. Os componentes intencionais que se mostram na angústia ante o perigo são de creditar-se ao ego julgador; os componentes não intencionais qual seja a possibilidade de paralisia, devem-se ao fato de o ego não produzir angústia, mas só usá-la: não tem meio melhor de que disponha.

- Há vezes em que a expectativa do perigo, em lugar de precipitar o temor intencional que sirva para evitar o estado traumático, precipita este estado mesmo.

- O juízo que o ego faz "perigo à vista" é seguido de pânico esmagador ; o ego produziu algo que não pode controlar.

- A tentativa de amansar a angústia terá falhado; o pânico selvagem original reaparece e esmaga o ego. É o que se dá quando o organismo se acha em estado de tensão que se pode dizer consistir em disposição latente para o desenvolvimento de pânico.

- Neste caso, o juízo de perigo feito pelo ego atua como se fosse fósforo em barril de pólvora. A intenção de acender o fósforo como sinal falha porque liberta uma força considerável, incomparavelmente maior do que os poderes limitados da força que tentou usar o fósforo.

- O que determina o conteúdo das ideias de angústia do ego primitivo são, em parte, diretamente, a sua natureza biológica; em parte, indiretamente, os seus modos animísticos de pensar, pelos quais o ego acredita ter o seu ambiente os mesmos objetivos instintivos que ele próprio os tem (associados a poder muito maior).

- Nestes mal entendidos animísticos funciona a lei primitiva de talião, segundo a qual todo ato pode ser desfeito (ou tem de ser punido) por um ato semelhante que se volta a quem o praticou. A mais fundamental das angústias parece ligar-se à incapacidade fisiológica do bebê de satisfazer ele próprio seus impulsos.

- O primeiro temor é o temor (não verbal) da experiência de estados traumáticos ulteriores.  A ideia de que as exigências instintivas possam ser perigosas (o que constitui a base derradeira de todas as psiconeuroses) está neste temor enraizada.

- Entretanto, não quer isto dizer que o ego hostil aos impulsos instintivos desde o começo mesmo, ou sempre receoso de que as aspirações demasiadas intensas o invadam. Visto que o ego aprende a controlar e a satisfazer, ativamente, os respectivos impulsos, não haveria necessidade de produzir-se angústia deste tipo uma vez realizada esta capacidade; os adultos normais de fato, não temem os seus impulsos.

- Há neuróticos que ainda têm medo da experiência da sua própria excitação, quando esta excede certa intensidade; mas não se dá isto pelo fato de uma “angústia primária da intensidade da excitação”, e sim pela circunstância de que outros tipos de angústia os fizeram bloquear o curso natural das excitações transformando o prazer, secundariamente, em desprazer intenso.

- Existe o temor de que deixem de chegar meios extremos de satisfação. É o “medo da perda do amor”, ou perda de ajuda e proteção; medo que é mais intenso do que seria, se apenas representasse juízo racional de um perigo verdadeiro, porque a autoestima dos primeiros tempos é regulada mediante provisões externas, de modo que a perda da ajuda e proteção também significa perda da autoestima.

- Um ego que for amado sente-se forte; um ego abandonado é fraco e está abandonado ao perigo. Um ego que é amado teme a possibilidade de abandono. O modo animístico de pensar e sentir complica as questões. Se uma criança fantasia que devora o seu ambiente, e depois sofre uma repulsa, fantasiará que os pais podem comê-lo, é desta maneira que se originam as angústias fantásticas de destruição física. O que de forma mais importante representa este grupo é a angústia de castração, que se transforma no motivo principal das atividades defensivas do ego.

- As maneiras pelas quais o ego normal aprende a superar suas angústias primitivas e ainda são amansadas são muito características. Sempre que o inunda uma quantidade muito grande de excitação, o organismo tenta livrar-se dela mediante repetições ativas ulteriores da situação que haja induzido a excitação excessiva. É o que ocorre nas nas primeiras brincadeiras das crianças pequenas, tanto quanto os sonhos delas. Só há uma diferença fundamental entre a inundação original de excitação e estas repetições: na experiência original, o organismo foi passivo, nas repetições ele é ativo, determinando o tempo e o grau de excitação.

- De início, as experiências passivas que deram causa à angústia, a criança as reproduz ativamente quando brinca, a fim de realizar um controle que foi adiado. Mais tarde, ela não só dramatiza as experiências passivas que deram causa à angústia, como também antecipa o que espera que aconteça no futuro; a criança as reproduz ativamente quando brinca, a fim de realizar um controle que foi adiado. O uso do medo como sinal mais não é que um exemplo do uso intencional desta antecipação.

- Quando descobre que já consegue superar sem medo uma situação que, antes, a teria esmagado de angústia, a criança apresenta certo tipo de prazer , o qual tem a característica de “não preciso mais sentir angústia”.

- Faz que a brincadeira da criança envolva as simples tentativas de descarga para o controle do mundo exterior mediante a prática repetida. O “prazer funcional” é prazer não pela gratificação de certo tipo específico de instinto, mas pelo fato de que de que o exercício de uma função já é possível sem angústia. É o mesmo prazer que faz as crianças gostarem de repetições intermináveis da mesma brincadeira ou da mesma história a qual tem de ser contada exatamente com as mesmas palavras.

- Sob o ponto de vista econômico, pode-se explicar este prazer da seguinte forma: um dispêndio de energia associa-se à angústia ou à expectativa receosa sentida pela pessoa que não está certa se conseguirá controlar uma excitação esperada.

- A cessação súbita deste dispêndio acarreta a sua descarga aliviadora a qual o ego bem sucedido experimenta como sendo um “triunfo” e goza como prazer funcional.

- Em geral, o prazer que se origina desta fonte condensa-se como prazer erógeno, e este, por sua vez, foi possibilitado pela superação da angústia. Quando um adulto atira uma criança para o alto e torna a apanhá-la, ela sente, de um lado, prazer que resulta da superação do medo de cair. Se tiver certeza que não a deixarão cair, pode sentir desprazer por ter pensado que podiam largá-la; sobressalta-se um pouco, mas depois percebe que não precisaria ter receado. Para possibilitar o prazer, é preciso que se cumpram condições tranquilizadoras: a criança há de ter confiança no adulto que com ela brinca , de modo que com o tempo, se produz a aprendizagem pela prática. Depois da experiência repetida mostra ser infundado o temor, a criança fica mais corajosa. Quer a angústia, quer o prazer funcional cessam quando o ego está seguro de si e já não mantém expectativa angustiante.

- Os adultos já não sentem prazer de espécie alguma quando se envolvem em atividades mais do que familiares e automáticas de que se orgulhavam quando pela primeira vez as realizaram quando crianças.

- Nos neuróticos, uma defesa patogênica pode perturbar os temores infantis. As angústias permanecem efetivas, quase todas bloqueando inteiramente as atividades “perigosas”.

- Há vezes em que também se repetem os modos de combater a angústia, e o ego pode experimentar “prazer funcional” na superação do medo mediante repetições da atividade que se teme.

Referência Bibliográfica: FENICHEL, Otto - teoria Psicanalítica das Neuroses. Tradução: Dr Samuel Reis. Livraria Atheneu - Rio de Janeiro, São Paulo, 1981

(Fatima Vieira - Psicóloga Clínica)
 

... embora eu quisesse tudo, tudo me faltou





"Qu' il était bleu, le ciel!