domingo, 29 de abril de 2012

A Arte de Engolir Sapos

*O Adão, meu amigo, professor de biologia, já encantado, amava os sapos ... acho que o Adão achava os sapos bonitos. E é certo que eles têm uma beleza que lhes é peculiar.
*O filósofo Ludwig Feuerbach diria que para os sapos não existe nada mais belo que o sapo e, se entre eles houvesse teólogos, haveriam de dizer que Deus é um sapo
*Cada forma de vida é o Bem Supremo para si mesma.
*Eu mesmo, sem ter a sensibilidade do Adão, escrevi um livro para crianças em que um dos heróis é o sapo Gregório. Mas desejo confessar que não acho os sapos bonitos.

*(...)  mas o fato é que nós, humanos, não consideramos os sapos como animais com que gostaríamos de conviver. Ter um cãozinho, um gato ou um coelho como bichinho de estimação, tudo bem. Mas se o menino quisesse ter um sapo como bichinho de estimação, os pais tratariam de levá-lo logo a um psicólogo para saber o que havia de errado com ele.
*Sapo é bicho de pesadelo. Quem sugere isso são as Escrituras Sagradas. Está relatado, no capítulo oitavo do livro de Êxodo, que Deus, para dobrar a obstinação do faraó egípcio que não queria deixar que o povo de Israel se fosse, enviou-lhe uma série de pragas de horrores, uma delas sendo a dos sapos. Diz o texto que a praga era de rãs, mas não faz muita diferença. Eis que castigarei com rãs todos os teus territórios, o rio produzirá rãs em abundância, que subirão e entrarão em tua casa, no teu quarto de dormir, e sobre o teu leito, e nas casas dos teus oficiais, e sobre o teu povo, e nos teus fornos e nas tuas amassadeiras. Já imaginaram o horror? 
*(...) A bruxa poderia ter transformado o príncipe numa girafa, num tatu ou num gato. Escolheu transformá-lo no mais nojento, um sapo. E há aquela outra estoria em que o sapo queria dormir na cama com a princesinha. Tão horrorizada ela ficou de ter de dormir com um sapo que, para evitar os beijos e seus desenvolvimentos inevitáveis, pegou-o pela perna e jogou-o contra a parede. Esse ato teve efeito mágico pois, o sapo transformou-se em príncipe. Já aconselhei pessoas a lançar contra a parede seus sapos e sapas conjugais, para ver se o contra-feitiço funciona também para os humanos. Parece que não.
*O horror do sapo aparece também numa sugestiva expressão popular: "ter de engolir sapo". Por que não "ter de engolir gato", "ter de engolir borboleta", "ter de engolir tico-tico"? Porque mais nojento que sapo não existe. Essa expressão traz o sapo para o campo das atividades alimentares. Engolir é comer. O ato de comer é presidido pelo paladar. O paladar é uma função discriminatória. Ele separa o saboroso do não-saboroso. O saboroso é para ser engolido com prazer. O não saboroso, o corpo se recusa a comer. Cospe. "Ter de engolir sapo": ser forçado a colocar dentro do corpo aquilo que é nojento, repulsivo, viscoso, frio, mole. Não há forma de engolir sapo com prazer. Engolir um sapo é ser estuprado pela boca.

*(...) A psicanálise me ensinou a aceitar a possibilidade dos mais estranhos prazeres perversos. Mas não há relaxamento que faça do ato de engolir um sapo uma experiência prazerosa. Por que engolir um sapo? Há pessoas que engolem sapos por medo. Bem que seria possível evitar a repulsiva refeição: o sapo é um sapinho. Mas elas preferem engolir o sapo a enfrentá-lo. Não têm coragem de pegá-lo e jogá-lo contra a parede. Pessoas que fizeram do ato de engolir sapos um hábito acabam por ficar parecidas com eles: andam aos pulos, sempre rente ao chão e coaxam monotonamente.

*Mas há situações em que é inevitável engolir o sapo. Eu mesmo já engoli muitos sapos e disto não me envergonho. O meu desejo, com esta crônica, é dar uma contribuição ao saber psicanalítico, que até agora fez silêncio sobre o assunto. Muitos dos sintomas neuróticos que afligem as pessoas resultam de sapos engolidos e não digeridos. Tudo começa com um encontro: à minha frente um sapo enorme, ameaçador, com boca grande. A prudência me diz que é melhor engolir o sapo a ser engolido por ele. É melhor ter um sapo dentro do estômago (sapos engolidos nunca vão além do estômago) do que estar no estômago do sapo.
*Aí, impotente e sem opções, deixo que ele entre na minha boca, aquela massa mole e nojenta. É muito ruim. O estômago protesta, ameaça vomitar. Explico-lhe as razões. Ele cessa os seus protestos, resignado ao inevitável. Não consigo mastigar o sapo. Seria muito pior. Engulo. Ele escorrega e cai no estômago. Alimentos não digeríveis são eliminados pelo aparelho digestivo de duas formas: ou são expelidos pelo vômito ou são expelidos pela diarreia. Os sapos são uma exceção. Não são digeridos mas não são expelidos nem pelas vias superiores nem pelas vias inferiores. Os sapos se alojam no estômago. Transformam-no em morada. Ficam lá dentro. Por vezes hibernam. Mas logo acordam e começam a mexer. 
*Ninguém engole sapo de livre vontade. Engole porque não tem outro jeito. Tem sempre alguém que nos obriga a engolir o sapo, à força. A pessoa que nos obriga a engolir o sapo, a gente nunca mais esquece.  
*Diz a Adélia que "aquilo que a memória amou fica eterno". Aí eu acrescento algo que aprendi no Grande sertão. Conversa de jagunços matadores. Diz um: "Mato mas nunca fico com raiva." Retruca o outro, espantado: "Mas como?" Explica o primeiro: "Quem fica com raiva leva o outro para a cama."   
*É isso. A gente leva para a cama a pessoa que nos obrigou a engolir o sapo. A raiva também eterniza as pessoas. Não adianta falar em perdão. A gente fica esperando o dia em que ela também terá de engolir um sapo. (Rubem Alves)

sábado, 21 de abril de 2012

e se estivermos todos errados?


Ψ outros fragmentos...





                                                       (Fatima Vieira)

"O homem moderno teme a solidão porque se enojou de si mesmo..." (Nietzsche)

INSTINTO DE REBANHO: Em toda a parte onde encontramos uma moral encontramos uma avaliação e uma classificação hierárquica dos instintos e dos atos humanos. Essas classificações e essas avaliações são sempre a expressão das necessidades de uma comunidade, de um rebanho: é aquilo que aproveita ao rebanho, aquilo que lhe é útil em primeiro lugar - e em segundo e em terceiro -, que serve também de medida suprema do valor de qualquer indivíduo. A moral ensina a este a ser função do rebanho, a só atribuir valor em função deste rebanho. Variando muito as condições de conservação de uma comunidade para outra, daí resultam morais muito diferentes; e, se considerarmos todas as transformações essenciais que os rebanhos e as comunidades, os Estados e as sociedades são ainda chamados a sofrer, pode-se profetizar que haverá ainda morais muito divergentes. A moralidade é o instinto gregário no indivíduo. (Friedrich Nietzsche, in 'A Gaia Ciência')

O homem moderno teme a solidão porque se enojou de si mesmo e porque se desaprendeu de si e sente-se impotente quando está só, sem a explicação moral do todo, refém do instinto da obediência, sem a paz do rebanho, sem a resposta da massa, sem o pressuposto do bem-estar e da felicidade eterna. Padronizado sob o estalão da coletividade, nivelado sob a pseudo-virtude da igualdade, o homem moderno teme a si mesmo e foge. Longe da moral do ovil e de sua laicizada versão moderna da administração da produção e do consumo (o fenômeno da massa capitalista), ele não sabe quem é. Sujeitado, rende-se ao todo e passa a formular e obedecer às regras morais que apregoam a igualdade no lugar da singularidade, o rebaixamento no lugar da grandeza, a banalidade no lugar da criatividade, a democracia e a escravidão no lugar da aristocracia.

Esta inversão dos valores, conseqüência do predomínio da moral de rebanho, é o território para o qual é enviado o novo filósofo, como um espírito livre ao qual exige-se probidade intelectual, que significa desconfiança em relação às suas próprias idéias e pensamentos, reconhecendo-os tão só como mais uma máscara e interpretação, gerada na solidão, plasmada no isolamento. O filósofo, aquele que aprende a viver sozinho. “Para viver sozinho, é preciso ser um animal ou um deus – diz Aristóteles. Falta ainda a terceira alternativa: é preciso ser os dois ao mesmo tempo – Filósofo”. ( Nietzsche)

sábado, 14 de abril de 2012

ladrão de rosas e de pitangas tem 100 anos de perdão...

- Quem nunca roubou não vai me entender.
- E quem nunca roubou rosas, então é que jamais poderá me entender.
- Eu, em pequena, roubava rosas ...
- Começou assim: Numa dessas brincadeiras de "essa casa é minha", paramos diante de uma que parecia um pequeno castelo. No fundo via-se o imenso pomar. E, à frente, em canteiros bem ajardinados, estavam plantadas as flores.
- Bem, mas isolada no seu canteiro estava uma rosa apenas entreaberta cor-de-rosa-vivo.



 














Fiquei feito boba, olhando com admiração aquela rosa altaneira que nem mulher feita ainda não era.
- E então aconteceu: do fundo de meu coração, eu queria aquela rosa para mim.
- Era uma rua onde não passavam bondes e raro era o carro que aparecia.
- No meio do meu silêncio e do silêncio da rosa, havia o meu desejo de possuí-la como coisa só minha.
- Então não pude mais. O plano se formou em mim instantaneamente, cheio de paixão.


- Mas, como boa realizadora que eu era, raciocinei friamente com minha amiguinha, explicando-lhe qual seria o seu papel: vigiar as janelas da casa ou a aproximação ainda possível do jardineiro, vigiar os transeuntes raros na rua.  
- Enquanto isso, entreabri lentamente o portão de grades um pouco enferrujadas... somente o bastante para que meu esguio corpo de menina pudesse passar. E, pé ante pé, mas veloz, andava pelos pedregulhos que rodeavam os canteiros. Até chegar à rosa foi um século de coração batendo. Eis-me afinal diante dela. Para um instante, perigosamente, porque de perto ela é ainda mais linda.  Finalmente começo a lhe quebrar o talo, arranhando-me com os espinhos, e chupando o sangue dos dedos.
- E, de repente - ei-la toda na minha mão. A corrida de volta ao portão tinha também de ser sem barulho. Pelo portão que deixara entreaberto, passei segurando a rosa.
- E então nós duas pálidas, eu e a rosa, corremos literalmente para longe da casa.
- O que é que fazia eu com a rosa? Fazia isso: ela era minha.
- Levei-a para casa, coloquei-a num copo d'água, onde ficou soberana, de pétalas grossas e aveludadas, com vários entretons de rosa-chá. No centro dela a cor se concentrava mais e seu coração quase parecia vermelho.
- Foi tão bom que simplesmente passei a roubar rosas. O processo era sempre o mesmo: a menina vigiando, eu entrando, eu quebrando o talo e fugindo com a rosa na mão. Sempre com o coração batendo e sempre com aquela glória que ninguém me tirava.
- Nunca ninguém soube. Não me arrependo: ladrão de rosas e de pitangas tem 100 anos de perdão. As pitangas, por exemplo, são elas mesmas que pedem para ser colhidas, em vez de amadurecer e morrer no galho, virgens.
"Cem Anos de Perdão" - Clarice Lispector
fotografia: Rosane Vieira/ Jardim de Itatiba

gatos não morrem...



... dá-me esse amor que conserva tranquilo o coração!

(...) da dissimulação






quinta-feira, 5 de abril de 2012

como fazer com que "os lunáticos não tomem conta do hospício." (Mike Myatt)

imagem: minjae-lee
"Consultor dá dicas para lidar com "loucos corporativos"
Autor de livros best-sellers sobre administração e liderança, o consultor Mike Myatt ensina, no site da revista Forbes, como fazer com que "os lunáticos não tomem conta do hospício."
Alguma vez, em seu local de trabalho, você
sentiu que estava tentando lidar com pessoas totalmente irracionais? Você já falou com alguém que não dava a menor atenção para o que você dizia?
Você argumentava, argumentava e nada? Pois segundo Mike Myatt, muitas vezes pessoas tidas como experientes e hábeis precisam entender de vez que com loucos não se argumenta.
Todos nos conhecemos o ditado "escolha suas batalhas" e, como diz Myatt, uma das batalhas inúteis que existem é tentar mudar o pensamento de uma pessoa que vive em um estado alterado.
- O consultor começa o artigo definindo a palavra "louco". De acordo com ele, apesar de a maioria nós não encontrarmos pessoas clinicamente loucas no local de trabalho, acabamos nos deparando com outros tipos frustrantes como: o irracional, o ignorante, o mente-fechada, o mentiroso patológico, o excessivamente político, o egoísta, o fanático, o megalomaníaco, o com sede de poder, e vários outros tipos de "loucos corporativos".
- Segundo Myatt, tentar discutir lógicas de negócio com quem simplesmente não reconhece a lógica não é nada vantajoso. "Se há um pingo de sabedoria que você pode tirar desse texto é que você não pode convencer alguém que sempre pensa que está certo de que, está, na verdade, errado", diz. O consultor explica que, não importa quão lógica ou detalhada seja sua abordagem, esse tipo de pessoa não vai mudar sua opinião em razão daquilo que você está dizendo.
- Mas o que fazer quando a lógica e a razão não conseguem prevalecer?
1) Defina qual é o "comportamento aceitável": Se você é o chefe e o comportamento de algum funcionário está incomodando você, então é muito provável que o comportamento dessa pessoa esteja tendo um impacto negativo nos outros de uma forma ainda mais intensa. Para conter "os loucos" é preciso definir o que constitui um comportamento aceitável. Defina o que é cada cargo para que as pessoas saibam o que se espera delas. Encorajar trabalhos em equipe, desenvolver lideranças, administrar talentos e fazer a comunicação fluir também ajudam a destacar aqueles que não se enquadram.
2) Enfrente o conflito diretamente: Apesar de nem sempre ser possível prevenir conflitos, Mike Myatt diz que, por experiência própria, o segredo para resolver conflitos é os prevenir sempre que possível. Ao buscar áreas com potencial de conflito e ao intervir proativamente de modo justo e decisivo, conseguimos que certos conflitos surjam. E, caso um conflito apareça, será possível minimizar a gravidade dele ao lidar com o assunto rapidamente.
3) Entenda as motivações dos outros: Myatt diz que é essencial entender a motivação do outro antes de pesar os prós e os contras e tomar uma decisão. Além da solução óbvia para lidar com pessoas difíceis (que é simplesmente não lidar com elas), a melhor forma de sair de uma tempestade contínua é ajudar as pessoas em questão a conquistarem seus objetivos. Se relações problemáticas forem abordadas da perspectiva de agir de forma a ajudar os outros a atingirem seus objetivos, o número de problemas diminuirá.
4) O fator importância: Se uma questão é importante a ponto de criar um conflito, então certamente ela é importante a ponto de ser resolvida. Se a circunstância ou situação for importante o suficiente e se algo relevante estiver em jogo, as pessoas farão o que for necessário para deixar as linhas de comunicação fluírem e chegar a um consenso.
5) Veja conflitos como oportunidades: Escondido em cada conflito está o potencial para uma grande oportunidade de aprendizado e desenvolvimento. Onde há desentendimento há um potencial inerente de crescimento. Segundo Myatt, se você é chefe e não usa o conflito em favor da construção de um time e do desenvolvimento de lideranças, você está perdendo uma grande oportunidade.
- Ainda há esperança contra os "loucos", garante Mike Myatt. "Eu acredito sinceramente que relações de trabalho produtivas podem ser criadas até entre as pessoas mais difíceis, caso exista um desejo ou necessidade sinceros em se fazer isso", afirma ele. "Dar a outra face, comprometer-se, perdoar, ter compaixão e empatia, encontrar um senso comum, ser um ouvinte ativo, ser útil a alguém, e uma série de outras abordagens sempre terão sucesso na construção de entendimento se o desejo por trás disso for forte o suficiente", completa.
- E se tudo isso falhar e você for o chefe, diz Mike Myatt, pense que você sempre pode deixar os "loucos" irem embora.

(Fatima Vieira)