sábado, 31 de agosto de 2019

Ψ Jung e a morte adiada ... a morte é a cura final?

“O objetivo da cura não é permanecer vivo, mas sim caminhar em direção à plenitude. A morte é a cura final”. (Kieffer Frantz, “O Guia Espiritual”)
*Após uma grave doença que levara *JUNG à beira da morte, ele refere
“Como a senhora sabe, o anjo da morte derrubou-me também e quase conseguiu riscar o meu nome de sua lista de vivos. Desde então fiquei quase inválido e venho recuperando-me devagar, muito devagar, de todas as setas que me furaram de todos os lados. Felizmente minha cabeça não foi atingida e pude esquecer de mim mesmo em meu trabalho científico. 
Considerando-se em geral, minha doença foi uma experiência muito válida; ela me deu a oportunidade inestimável de olhar por trás do véu. A única dificuldade é livrar-se do corpo, ficar nu e vazio do mundo e da vontade do eu. Quando se pode desistir da louca vontade de viver e quando se cai aparentemente num nevoeiro sem fundo, então começa a vida verdadeiramente real com tudo o que foi intencionado e nunca alcançado. É algo inefavelmente grandioso. Eu estava livre, completamente livre e inteiro, como nunca me havia sentido antes. (...) Durante a minha doença, algo me carregou. Meus pés não estavam no ar e eu tive a prova de ter alcançado chão firme. O que quer que se faça, sendo feito sinceramente, tornar-se-à eventualmente uma ponte para nossa totalidade, um bom navio que nos conduzirá através da escuridão do nosso segundo nascimento, que no aspecto externo parece morte. Já não viverei por muito tempo. Estou marcado. Mas felizmente a vida tornou-se provisória. Tornou-se um preconceito transitório, uma hipótese momentânea de trabalho, mas não a própria existência.”

*Jung - 1875/ 1961 - Adoeceu gravemente em 1944, (“infarto agudo do miocárdio”) logo após uma queda, escorregou na calçada com neve transformada em gelo, na velha Zürich, na época, com 68 anos.
A princípio, a queda não provocou o infarto, parece que foram dois avisos do inconsciente, primeiro um menor e o outro maior, logo em seguida...  
"E Jung, viveu mais 17 anos por amor?  Se foi, qual o foco do seu amor?
Eu acredito que Jung amou a doação, doou sua alma para o seu mito. Viveu sua vida impulsionada pelo inconsciente. O amor é uma força, um arquétipo, algo que existe a priori, só precisamos admiti-lo e deixá-lo nos invadir, nos tomar, nos possuir. Talvez o amor seja o único arquétipo que, ao nos possuir, não cause doença, nem física, nem psíquica. Talvez o amor seja o arquétipo central, Deus..." (Jung e a morte adiada - Paulo Souza)

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sexta-feira, 30 de agosto de 2019

O Silêncio Nos Leva De Volta Ao Básico...

"O silêncio nos leva de volta ao básico, aos nossos sentidos, a nós mesmos. Ele nos localiza. Sem esse retorno, podemos ir tão longe de nossa verdadeira natureza que acabamos, literalmente, fora de nós mesmos. Vivemos cegamente e agimos sem pensar. Pomos em perigo o delicado equilíbrio que sustenta nossas vidas, nossas comunidades e nosso planeta." (Gunilla Norris Convidando o silêncio: princípios universais da meditação)                                                                 imagem: Aaron Hicks
“A areia do deserto é para o viajante cansado a mesma coisa que a conversa incessante para o amante do silêncio”. (Provérbio persa)

O silêncio tem sido fonte de muitas reflexões ao longo de todas as épocas. Ao mesmo tempo, saturamos os locais onde vivemos com tantos barulhos que é cada vez mais difícil encontrá-lo. Isto faz com que cada vez mais pessoas que passam pela experiência de não ouvir barulhos caiam em um abismo dentro delas mesmas.

Temos um barulho que atualmente está hiperestimulado. O mais grave é que quase todos esses estímulos auditivos que recebemos do exterior são mais ou menos alarmantes. Barulhos de carros, burburinho, músicas estridentes, apitos, sinais… enfim… nada que inspire tranquilidade.

Além disso incidir no nosso estado emocional, a ciência também comprovou que afeta o cérebro. Segundo uma pesquisa realizada na Alemanha pelo Research Center for Regenerative Therapies de Dresden, existem processos cerebrais que só podem ser realizados em silêncio.

Até pouco tempo atrás, pensava-se que os neurônios eram incapazes de se regenerar. Contudo, com o desenvolvimento da neurogênese ficou comprovado que isto é um erro. Ainda não está muito claro o que exatamente promove a regeneração neurológica e cerebral, mas já existem pistas valiosas a respeito, e uma delas é o silêncio.

Experimentando o silêncio - Os pesquisadores alemães fizeram, a princípio, uma experiência com um grupo de ratos. A pesquisa consistia em deixá-los em completo silêncio durante duas horas por dia. Ao mesmo tempo se faria uma observação dos seus cérebros para ver se isto criava alguma mudança.

Passo a passo para superar a timidez - O resultado foi contundente. Após um tempo sendo submetidos a esta rotina, observou-se que em todos os ratos estudados houve um crescimento do número de células dentro do hipocampo. Esta é a região do cérebro que regula as emoções, a memória e o aprendizado.

Os especialistas também constataram que as novas células nervosas se incorporavam progressivamente ao sistema nervoso central, e que logo se especializavam em diferentes funções. Conclusão, o silêncio provocou uma mudança muito positiva no cérebro dos animais.

O silêncio ajuda a estruturar a informação - O cérebro nunca descansa, inclusive quando em estado de calma, ou quando estamos completamente quietos ou dormindo. Este maravilhoso órgão continua funcionando, mas de uma forma diferente. Quando o corpo descansa, começam a se desenvolver outros processos que completam os que são realizados quando estamos ativos.

Basicamente o que acontece é que se produz uma espécie de depuração. O cérebro avalia a informação e as experiências às quais foi exposto durante o dia. Logo, organiza e incorpora a informação relevante e descarta o que não é importante.

Este processo é completamente inconsciente, mas provoca efeitos conscientes. Por isso às vezes encontramos respostas durante o sono, ou conseguimos ver as coisas a partir de um novo ponto de vista depois de termos descansado algumas horas.

O interessante de tudo isso é que um processo semelhante também acontece quando estamos em silêncio. A ausência de estímulos auditivos tem quase o mesmo efeito que o descanso. O silêncio, em geral, nos leva a pensar em nós mesmos, e isto depura as emoções e reafirma a identidade.

Os importantes efeitos sobre o estresse - O silêncio não apenas nos torna mais inteligentes, criativos e seguros, mas também tem efeitos muito positivos sobre os estados de angústia. Os seres humanos são muito sensíveis ao ruído, tanto que muitas vezes acordamos sobressaltados por um objeto que caiu ou por um som estranho.

Uma pesquisa realizada na Universidade de Cornell descobriu que as crianças que vivem perto de aeroportos têm um elevado nível de estresse. E não é só isso; elas também têm uma pressão arterial mais elevada e apresentam altos índices de cortisol, o hormônio do estresse.

Por sorte, também acontece o contrário. Isso foi evidenciado por uma pesquisa da Universidade de Pavia, onde se verificou que apenas dois minutos de silêncio absoluto são mais enriquecedores do que ouvir música relaxante. De fato, evidenciou-se que a pressão sanguínea diminuía e que as pessoas conseguiam se sentir mais alertas e tranquilas depois deste pequeno banho de silêncio.

Como se vê, o silêncio provoca grandes benefícios, tanto intelectuais quanto emocionais. Poderíamos afirmar que manter-se em silêncio, ao menos por pequenos lapsos ao dia, é um fator determinante para a saúde cerebral. E com isso, um elemento decisivo para melhorar o nosso estado emocional, saúde e qualidade de vida.

Fonte: https://amenteemaravilhosa.com.br/silencio-indispensavel-regenerar-cerebro/


terça-feira, 27 de agosto de 2019

Ψ Dia do Psicólogo - 27 de agosto

Macbeth – Como está a sua paciente, Doutor?
Doutor – Não tão doente, meu Senhor, mas atormentada por múltiplas visões que a privam do repouso.

Macbeth – Cure-a disso!! Não pode lhe ministrar um remédio para a mente doente, arrancar-lhe da memória a dor enraizada, apagar as preocupações gravadas no cérebro e, com algum doce antídoto do esquecimento limpar o essas perigosas coisas que pesam sobre o seu coração?

Doutor – Nesse caso, somente o paciente deve ministrar o seu próprio remédio.

Macbeth – Então jogue a medicina aos cães ... não preciso dela.
(Shakespeare)

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quarta-feira, 21 de agosto de 2019

(...)

 

(...)

”(...) a intuição é uma capacidade de acessar, um insight.
 Decorre de um processo inconsciente; 
 é uma percepção, uma apreensão, um entendimento da situação, 
 de uma maneira não racional.”
 (A natureza da psique - C. G. Jung)


(...)

 "Iremos nos perder nas estradas do amor,
E o destino nos pisará indiferente,
vem, menina, taça encantada,
dá-me de beber em teus lábios
antes que eu me torne pó."
                      (Omar Kayyann)


domingo, 18 de agosto de 2019

Ψ sobre o "mito familiar"

Segundo Jung os “mitos familiares” são conflitos que podem atravessar gerações, até serem solucionados.
                                                                                 Giorgio de Cirico - 1926
Por isso o portador do sintoma não pode ser visto isoladamente.

O distúrbio tem que ser considerado numa rede interacional em que os vínculos se fazem de tal forma que um elemento da rede, por motivos variados, desde uma resistência menor às pressões até uma situação expiatória, passa a apresentar uma série de fenômenos que são tradicionalmente rotulados como sintomas

O paciente formal seria o depositário dos conflitos do grupo familiar, que assim o consagra para manter seu equilíbrio. 

O paciente identificado como “bode expiatório” no conflito familiar está relacionado com questões simbólicas, mítico, religiosas, sociais e culturais, que servem para garantir a homeostase da família disfuncional. 

Ou seja, esse indivíduo é o fiel depositário da sombra familiar
(Civilização em transição - Carl Gustav Jung)             
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sábado, 17 de agosto de 2019

Ψ Foucault in O Anti-Édipo, Deleuze & Guattari - e o nosso “pequeno fascismo diário”

"Conhecemo-nos bem demais para nos iludirmos que somos cem por cento bons e não egoístas até os ossos".
("Civilização em transição" - C. G. Jung)

*Foucault disse algo que muito incomodou – e incomoda – a modernidade.

*Chamou atenção para que tomássemos cuidado com o fascismo, não se limitando àquele que se estereotipou enquanto ditadura política culminando no holocausto e seus efeitos, pelo contrário, referia-se, sobretudo, ao fascismo que habita em cada um de nós! 

*Em uma belíssima introdução à obra O Anti-Édipo de Deleuze & Guattari, Foucault sintetiza alguns fios de pensamento para se pensar uma vida não fascista.

*Breves parágrafos para nos incomodar e nos levar a pensar a complexidade do nosso “pequeno fascismo diário”, se assim podemos dizer, já que costumamos usar a palavra fascismo apenas para nos referir àquilo que ficou consagrado enquanto ideologia política do século XX.
(…) esquecemo-nos das pequenas doses diárias do fascismo cotidiano que habita em nós, como por exemplo, no tratamento dispensado, nos olhares e nos gestos, diferenciados hierarquicamente, com que se costuma dirigir ao homem branco, bem vestido, de carro do ano e de verbalização fluente em detrimento do homem pobre, mal vestido... 

(...) E tantas outras formas sutis com que se pode exercer o fascismo sobre a vida, é sobretudo nesse ponto que Foucault atinge o ego das sociedades de controle. 

*Eu diria que O Anti-Édipo (possam seus autores me perdoar) é um livro de ética, o primeiro livro de ética que se escreveu na França desde muito tempo (é talvez a razão pela qual seu sucesso não se limitou a um “leitorado” particular: ser Anti-Édipo tornou-se um estilo de vida, um modo de pensamento e de vida). 

*Como fazer para não se tornar fascista mesmo (e sobretudo) quando se acredita ser um militante revolucionário?

*Como livrar do fascismo nosso discurso e nossos atos, nossos corações e nossos prazeres?

*Como desentranhar o fascismo que se incrustou em nosso comportamento?

*Os moralistas cristãos buscavam os traços da carne que se tinham alojado nas dobras da alma. 

*Deleuze e Guattari, por sua vez, espreitam os traços mais íntimos do fascismo no corpo ... O Anti-Édipo é uma introdução à vida não fascista.

*Essa arte de viver contrária a todas as formas de fascismo, estejam elas já instaladas ou próximas de sê-lo, é acompanhada de certo número de princípios essenciais, que resumirei como segue, se eu devesse fazer desse grande livro um manual ou um guia da vida cotidiana:
*Liberem a ação política de toda forma de paranóia unitária e totalizante. 
*Façam crescer a ação, o pensamento e os desejos por proliferação, justaposição e disjunção, e não por subdivisão e hierarquização piramidal. 
*Livrem-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, as castrações, a falta, a lacuna) que por tanto tempo o pensamento ocidental considerou sagradas, enquanto forma de poder e modo de acesso à realidade.
*Prefiram o que é positivo e múltiplo, a diferença à uniformidade, os fluxos às unidades, os agenciamentos móveis aos sistemas.
*Considerem que o que é produtivo não é sedentário, mas nômade.
*Não imaginem que seja preciso ser triste para ser militante, mesmo se o que se combate é abominável.
*É a ligação do desejo com a realidade (e não sua fuga nas formas da representação) que possui uma força revolucionária.
*Não utilizem o pensamento para dar a uma prática política um valor de Verdade; nem a ação política para desacreditar um pensamento, como se ele não passasse de pura especulação. 
*Utilizem a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como multiplicador das formas e dos domínios de intervenção da ação política. 
*Não exijam da política que ela restabeleça os “direitos” do indivíduo tal como a filosofia os definiu. 
*O indivíduo é produto do poder. O que é preciso é “desindividualizar” pela multiplicação e o deslocamento, o agenciamento de combinações diferentes. 
*O grupo não deve ser o liame orgânico que une indivíduos hierarquizados, mas um constante gerador de “desindividualização”.  *Não se apaixonem pelo poder. [grifos meu] (…)

Fonte: M. Foucault in: O Anti-Édipo, Deleuze & Guattari; Guattari, Editora 34.
- Introdução à vida não fascista – Foucault 
- Por Adriel Dutra, do Letra e Filosofia - O filósofo Michel Foucault, 1984.
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sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Enquanto Isso No Brasil 🇧🇷 ... temos que lidar com a escatologia do presidente
















                                Por que Bolsonaro fala tanto de cocô? 
Psicanalista Christian *Dunker explica 
(*Psicanalista e Professor Titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Ele é um dos coordenadores do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP e ganhador do prêmio Jabuti pelo livro "Estrutura e Constituição da Clinica Psicanalítica")
Por Leonardo Sakamoto 16/08/2019 
  
Jair Bolsonaro vem recorrendo, há uma semana, ao cocô como retórica de governo. Disse que para preservar o meio ambiente, basta "fazer cocô dia sim, dia não". Reforçou, depois, para quem não entendeu da primeira vez, que a solução para os problemas ambientais "é só cagar menos". Também reclamou que "cocozinho petrificado" de indígena consegue barrar licenciamento de obras. E prometeu "acabar com o cocô no Brasil" – para ele, os comunistas. 

Dunker analisa essa questão como 'um misto de conveniências políticas com limitações pessoais do presidente, de se mostrar autêntico junto com uma grande insegurança estrutural'. 

Por que o presidente tem falado tanto de cocô?
*Ele está optando pela pauta moral. O que combina com a ideia mais básica da analidade – criança aprende a controlar os esfíncteres, aprende o que é o lugar do banheiro, aprende que tem que manter a higiene corporal. Isso tudo é o que? O início da moralidade. É também o momento em que a gente começa a aprender o processo civilizatório, do decoro, da vergonha e, mais adiante, da culpa. O discurso moral, quando você vai enxugando psicanaliticamente, frequentemente vai dar na merda, na bosta, exatamente o que o presidente está praticando. No começo de seu mandato, o presidente estava mais dividido, com Paulo Guedes, Sérgio Moro, Rodrigo Maia, compondo com lideranças. Mas, gradativamente, foi se aproximando do discurso moralista ligado a Olavo de Carvalho – que é uma figura que fala e xinga na linguagem anal, que o básico tem a ver com cocô, bosta, merda, cu. Esses termos aparecem como irrupções no meio dos discursos de Olavo, que terminam com arremate autodestrutivo baseado em uma linguagem anal. 
A gente não escuta mais tanta metáfora do presidente com o "Posto Ipiranga". Ele, que teria alianças discursivas mais interessantes, mais sólidas, está optando pela pauta moral. O que combina com a ideia mais básica da analidade – criança aprende a controlar os esfíncteres, aprende o que é o lugar do banheiro, aprende que tem que manter a higiene corporal. 
Isso tudo é o que? O início da moralidade. É também o momento em que a gente começa a aprender o processo civilizatório, do decoro, da vergonha e, mais adiante, da culpa. O discurso moral, quando você vai enxugando psicanaliticamente, frequentemente vai dar na merda, na bosta, exatamente o que o presidente está praticando.

Para onde vai esse discurso?
Isso são sinais regressivos do discurso. Você espera de alguém que ocupa cargo público que ele vá se estabilizando à medida que o tempo passa no cargo, que encontre suas respostas-padrão, suas metáforas. Lula tinha as do futebol, Fernando Henrique tinha as suas, cada forma de governar inventa uma retórica. A gente imagina que essa retórica vá acumulando vitórias, mas no caso da retórica de Bolsonaro, ela é dispersiva. É, em boa parte, incompreensível mesmo para seus apoiadores, pelo menos aos de média distância. Parece estar a serviço do que a gente chama de gozo desconhecido.

Mas ele não estaria acumulando vitórias com determinada faixa do eleitorado, na parcela do bolsonarismo-raiz, num grupo que se satisfaz tanto com a forma quanto com o conteúdo do que ele diz? 
Sim, vai tendo uma afinidade. Mas há um processo cissipartição, você vai descobrindo quem são seus verdadeiros aliados até que descobre que seus verdadeiros aliados se resumem a ele e seus filhos ou ele e ele mesmo. São processos descritos na história da filosofia política como a formação de tiranos solitários. Que se privam de bons conselheiros, que vão recuando para uma lógica paranóica – em que os inimigos se estendem cada vez mais e na qual os amigos têm que mostrar mais e mais fidelidade. Com esse discurso, ele está fazendo uma convocação, mas ela parece pouco instrumental, desgovernada, contrária aos óbvios objetivos políticos que qualquer um teria nessa situação.

Nesse ponto, há um outro elemento curioso do ponto de vista clínico que é a subordinação dele aos filhos. Que é algo também típico de alguém que está com dificuldade para assumir o seu lugar.
 Ao invés do presidente perceber que ele é o presidente, vai se amparando no fato de que ele é pai de seus filhos. E como pai, teria autoridade. Mas essa autoridade acabou se invertendo. 
E a gente começa a pensar: quem é o pai nessa história? É ele ou o 03, o 02 ou o 01? Parece justamente alguém que está com um conflito na relação entre autoridade e poder. 
Por um lado, tem muito poder, pode mandar um exército invadir lugares, mas, por outro, ele não se confere autoridade. 
E aí vamos encontrar um processo de regressão para formas mais simplórias de dominação – oral, anal, fálica. O que a gente imagina de alguém que precisa ficar falando do tamanho do seu pênis ou dizendo que é macho pra caramba? Essa pessoa está com problemas em sua virilidade. O problema é que isso toma muito trabalho, a pessoa tem se dedicar a inventar explicações para si e isso vai puxando-a para uma situação lamentável, uma situação de vergonha alheia mesmo para seus adversários políticos.

Bolsonaro também se notabilizou por comentários de cunho sexual ao longo de sua carreira. Recentemente, perguntou, em uma live no Facebook, se o ministro Sérgio Moro faria "troca-troca" com o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Por que o presidente recorre a essas imagens com frequência?
*Creio que é uma composição de conveniências políticas com limitações pessoais. Esse tipo de vocabulário causa, quando usado por alguém que é uma figura pública, uma impressão de espontaneidade, sinceridade, autenticidade. Porque ele está violando códigos e, para muita gente, só pode fazer isso quem fala a verdade. Nada mais tentador do que imaginar que a verdade fala uma linguagem sexual. Porque é aquilo que a gente esconde, que não colocamos em público, que não é transparente. Alguém que usa linguajar de bastidor mobiliza um capital desse tipo. Isso seria a parte de conveniência política. A parte de limitação pessoal diz respeito à necessidade de justificar o lugar que ele galgou. Uma necessidade subjetiva de alguém que, no fundo, se entende como impostor. Como alguém desqualificado para cargo, que não foi eleito como expressão de um programa político. Esse tipo de exageração, de formação reativa, de ter que gritar, criar inimigos, costumeiramente acontece com alguém que está acuado ou inseguro. Que não tem clareza ou está exposto a uma situação de insegurança estrutural. Tudo aquilo que aparece em franco exagero, a gente vai buscar algo que, por trás, está em déficit.

E isso acontece em uma situação inicial de mandato de céu de brigadeiro, eleito com uma quantia de votos expressiva. Mesmo assim não consegue aceitar aquele lugar simbólico que lhe foi designado. Ele pode pensar que é um personagem que não está se encaixando muito bem com o ator. Com esse drama, vai se propor a mais e mais rituais de autenticidade, de exibição, de conversas que são constrangedoras inclusive para alguns apoiadores dele. 

Qual o risco de uma pessoa insegura no cargo de maior poder de uma República em que freios e contrapesos não funcionam sempre?
*A pessoa que está nesse lugar não só exerce autoridade e poder, mas sanciona um tipo de poder, uma maneira de como o poder deve ser exercido pelos outros. Uma gramática do que é legítimo e não é legítimo. Funciona como uma referência simbólica de como a gente usa a autoridade que a gente tem. Então o sofrimento para a população brasileira tende a aumentar porque esse tipo de uso da autoridade é um uso opressivo. Que mensagem ela passa? Se você é chefe, você pode abusar do seu empregado. Se você está em posição de poder, você pode humilhar o outro. Se você acha que está com razão, isso te liberta para usar os recursos e os meios que você tem livremente. Isso vai transferindo a opressão contra aqueles que já são minorias.  Aquele que estava apanhando, agora vai apanhar mais. Aquele que estava sofrendo preconceito de raça, etnia, gênero, classe vai sofrer ainda mais.

Existe uma fixação do presidente com relação às minorias?
*A gente tem que reconhecer que há um ponto de identificação importante dele com as minorias. Mas com um conceito equivocado de minoria. As minorias se definem na relação com o poder. Vamos pensar naquele homem que acha que está perdendo seu poder, pai de família, macho, viril, branco. Ele acha que tem direito de se considerar uma minoria e convocar os demais. "Olha, você, homem, branco, macho, que sempre mandava, agora está perdendo poder. Vem junto comigo que vamos recuperar o poder, nós temos que lutar por isso."
 É um erro conceitual, mas com eficácia retórica. Ele consegue capitalizar a identificação com os ressentidos, os que estão se sentindo ameaçados em sua condição viril ou de classe diante de pequenos avanços de outras pessoas em direção a seus direitos. Consideram-se uma minoria invisível e não reconhecida.

O público mais conservador que apoia o presidente não deveria ter ojeriza com o seu comportamento escatológico? 
Porque, imagina-se que a "família de bem" brasileira não encara bem cocô na boca em público.
*Mas temos que observar como a esquerda é vista por esses grupos conservadores. Para muitos deles, feministas não são mulheres limpas. Pensam que uma mulher comunista é suja, uma pessoa que não se limpa. Isso tem a mais pura materialidade com o cocô, com a coisa suja, malcheirosa. E remonta ao passado arqueológico no Brasil. A ideia racista de que os indígenas se banhavam bastante porque são sujos ou declarações racistas como "é negro, mas é limpinho".  Ou seja, que você pode superar o padrão de sua raça com limpeza. No Brasil, o que você faz quando você consegue recursos para comer e sobreviver ao mês? Compra produtos de higiene pessoal e beleza. Tem uma mistura que o presidente ajudou a produzir, fazendo com que muitos regredissem à característica mais inconsciente sobre o inimigo: que ele é sujo, alguém que não sabe tomar banho, se pentear, se arrumar… 

Que faz xixi nos outros, em público, em "golden showers" no Carnaval… 

*Exatamente. É uma nova imagem que você pode anexar: esse que são os nossos inimigos. E você pode comparar isso com a degradação do ambiente. É um discurso que está localizando o lixo em outro lugar. "O problema não é essa poluição ambiental, pois não existe aumento da temperatura do planeta." Não é assim que se olha para a limpeza. Limpeza é nos afastarmos das pessoas que consideramos sujas, porque elas são cocô. Aquilo que temos que esconder e tirar de circulação.
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segunda-feira, 5 de agosto de 2019

(...)

“Não consigo pensar em nenhuma necessidade na infância tão forte quanto a necessidade de proteção de um pai.” (Sigmund Freud)

Teus filhos não são teus filhos
São filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma. 
Vem através de ti, mas não de ti 
E embora estejam contigo, a ti não pertencem.
Podes dar-lhes amor mas não teus pensamentos,
Pois que eles tem seus pensamentos próprios.
Podes abrigar seus corpos, mas não suas almas 
Pois que suas almas residem na casa do amanhã, 
Que não podes visitar se quer em sonhos. 
Podes esforçar-te por te parecer com eles, mas não procureis fazei-los semelhante a ti,
Pois a vida não recua, não se retarda no ontem.
Tu és o arco do qual teus filhos, como flechas vivas, são disparados... 
Que a tua inclinação na mão do Arqueiro seja para alegria. (Kalil Gibran)
Kristen
K m Berggren
“Acredito que o que nos tornamos depende do que nossos pais nos ensinam em momentos estranhos, quando não estão tentando nos ensinar. Somos formados por pequenos fragmentos de sabedoria". (Umberto Eco)
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sábado, 3 de agosto de 2019

Walt Whitman

"Se, a princípio, nos desencontrarmos, não desanimes... Se não me achares aqui, procura-me ali ... em algum lugar estarei esperando por ti".
"Tudo o que satisfaz a alma é a verdade". 

"(...) e a paz é sempre linda... agora, navegue, busque e encontre."

Outra reflexão sobre o material e em que medida somos apenas o nosso corpo: "Eu não estou contido entre o meu chapéu e minhas botas."

Aforismo interessante sobre o simples: "Eu me celebro e canto... simplicidade é a glória da expressão." (...) eu celebro a mim mesmo, por que cada átomo pertencente a mim pertence a você."

"(...) aprendi que é suficiente estar com aqueles de quem gosto."

Whitman viu vestígios do divino na humanidade: "Nos rostos de homens e mulheres, vejo Deus."

"O homem não foi criado para permanecer encerrado entre quatro paredes, mas sim para locomover-se e viver no quadro imenso e insondável da natureza, sua mãe.” ... "Toda polegada cúbica de espaço é um milagre."