quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Ψ O Lado Obscuro de Cada Um de Nós


- Passou no seu casamento por aquilo que é quase um facto universal - os indivíduos são diferentes uns dos outros. Basicamente, constituem um para o outro um enigma indecifrável.
- Nunca existe acordo total. Se cometeu algum erro, esse erro consistiu em ter-se esforçado demasiadamente por compreender totalmente a sua mulher e por não ter contado com o facto de, no fundo, as pessoas não quererem saber que segredos estão adormecidos na sua alma.
- Quando nos esforçamos demasiado por penetrar noutra pessoa, descobrimos que a impelimos para uma posição defensiva e que ela cria resistências porque, nos nossos esforços para penetrar e compreender, ela sente-se forçada a examinar aquelas coisas em si mesma que não desejava examinar.
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Toda a gente tem o seu lado obscuro que - desde que tudo corra bem - é preferível não conhecer.
- Mas isto não é erro seu. É uma verdade humana universal que é indubitavelmente verdadeira, mesmo que haja imensas pessoas que lhe garantam desejar saber tudo delas próprias.
- É muito provável que a sua mulher tivesse muitos pensamentos e sentimentos que a tornassem desconfortável e que ela desejava ocultar de si mesma. Isto é simplesmente humano.
- É também por este motivo que tantas pessoas idosas se refugiam na própria solidão, onde não serão incomodadas. E é sempre sobre coisas de que elas não desejariam estar muito cientes. O senhor não é, obviamente, responsável pela existência destes conteúdos psíquicos.
- Se, apesar disto, ainda for atormentado por sentimentos de culpa, reflicta então sobre os pecados que não cometeu e que gostaria de ter cometido. Isto poderá eventualmente curá-lo dos seus sentimentos de culpa relativamente à sua mulher.
(Carl Jung, in 'Cartas')

É Preciso Aprender a Amar




- Que se passa para nós no domínio musical? Devemos em primeiro lugar aprender a ouvir um motivo, a percebê-lo, e isolá-lo na sua vida própria; devemos em seguida fazer um esforço de boa vontade — para o suportar, mau-grado a sua novidade, para admitir o seu aspecto, a sua expressão fisionómica, e de caridade, para tolerar a sua estranheza;- chega enfim o momento em que já estamos afeitos, em que o esperamos, em que pressentimos que nos faltaria se não viesse; a partir de então continua sem cessar a exercer sobre nós a sua pressão e o seu encanto e, entretanto, tornamo-nos os seus humildes adoradores, os seus fiéis encantados que não pedem mais nada ao mundo, senão ele, ainda ele, sempre ele.
- Não sucede assim só com a música: foi da mesma maneira que aprendemos a amar tudo o que amamos.
A nossa boa vontade, a nossa paciência, a nossa equanimidade, a nossa suavidade com as coisas que nos são novas acabam sempre por ser pagas, porque as coisas, pouco a pouco, se despojam para nós do seu véu e apresentam-se a nossos olhos como indizíveis belezas: é o agradecimento da nossa hospitalidade. Quem se ama aprende a fazê-lo seguindo um caminho idêntico: existe apenas esse. O amor também deve ser aprendido.
(Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência" )

A Moral para os Psicólogos



"NÃO CULTIVAR UMA PSICOLOGIA DE BISBILHOTEIROS! Nunca observar só por observar! Isso provoca uma óptica falsa, uma perspectiva vesga, algo que resulta forçado e que exagera as coisas.
- O ter experiências, quando é um querer-ter-experiências, — não resulta bem. Na experiência não é lícito olhar para si mesmo, todo o olhar se converte então num «mau-olhado».
- Um psicólogo nato guarda-se, por instinto, de ver por ver; o mesmo se pode dizer do pintor nato. Este não trabalha jamais «segundo a natureza», encomenda ao seu instinto, à sua câmara escura o crivar e exprimir o «caso»,a «natureza»,o «vivido»... Até à sua consciência chega só o universal, a conclusão, o resultado: não conhece esse arbitrário abstrair do caso individual.
- Que é que resulta quando se procede de outro modo? Quando se cultiva, por exemplo, uma psicologia de bisbilhoteiro, à maneira dos romanciers parisienses, grandes e pequenos? Essa gente anda, por assim dizê-lo, à espreita da realidade, essa gente leva para casa cada noite um punhado de curiosidades...
- Porém veja-se o que acaba por sair daí — um montão de borrões, um mosaico no melhor dos casos, e de qualquer forma algo que é o resultado da soma de várias coisas, algo turbulento, de cores berrantes.
- ... a natureza, avaliada artisticamente, não é um modelo. Ela exagera, deforma, deixa vazios. O estudo «segundo a natureza» parece-me um mau sinal: denuncia submissão, debilidade, fatalismo, — esse jazer-no-pó ante os petits faits é indigno de um artista inteiro. Ver o que é — isso é próprio de um gênero distinto de espíritos, dos antiartísticos, dos homens de factos. Há que saber quem se é..."
(Friedrich Nietzsche, in Crepúsculo dos Ídolos.)