... Qualquer dia destes os homens vão encontrar Deus... Mas não serão os filósofos, serão os astronautas...
Os astronautas, esses seres fantásticos, caminhando pelo espaço sideral, fora das cápsulas, como escafandros do céu, em levitação, serão os primeiros habitantes do romântico satélite.
E entre eles, se houver mesmo algum poeta, leremos algum dia o primeiro poema lunático, que a terra há de inspirar...
Mas a verdade é que, enquanto isto ainda não acontece, a lua continua a musa em atividade. Os poetas sempre foram tidos como homens que vivem "no mundo da lua ".
E quando alguém tem um ar de abstração e de sonho, é um poeta.
... Quem não se lembra, por exemplo, daqueles versos que acordaram tantas namoradas, enquanto o violão lá fora , pela madrugada, era dedilhado ao luar? "Lua, manda a tua luz prateada despertar a minha amada quero matar meus desejos sufocá-la com meus beijos. . . "
E os grandes poetas não ficaram insensíveis à beleza da rainha da noite, ao seu mistério e aos seus encantos.
Mesmo com os pés no chão, olham para o alto. E se a lua vai-lhes sendo roubada, restam-lhes as estrelas, aquelas mesmas que Bilac ouvia, recomendando: "Amai, para entendê-las pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e de entender estrelas.
"Eu já a vi simbolizando a própria poesia: "Tudo é trova, a flor, a onda,a nuvem que passa ao léu e a lua, trova redonda, que a noite canta no céu..."
As mais curiosas e lindas imagens ocorreram aos românticos, parnasianos, simbolistas, modernos, líricos de todas as escolas.Para Alberto de Oliveira, o hierático parnasiano, "o luar era um cortinado todo lírios na barra, e em cima estrelas".
Catulo, o nosso Catulo, que enriqueceu a poesia com imagens simples, num típico linguajar sertanejo, diz que: "o céu parecia uma tigela cumo o fundo azu imborcado todo ismartado de novo adonde a lua tão bela ia boiando, amarela cumu uma gema de ovo."
Até o nosso singularíssimo Augusto dos Anjos contribuiria com uma imagem, bem a seu jeito: "Do observatório em que estou situado a lua magra, quando a noite crescevista, através do vidro azul, parece um paralelepípedo quebrado."
Está claro que esta não seria a visão dos românticos ou dos simbolistas. Para Cruz e Souza, ela se transfiguraria: "Ó monja branca dos espaços parece que abre para mim os braços fria, de joelhos, trêmula, rezando."
E Alphonsus de Guimarães, das altas montanhas mineiras, como que completaria a estrofe: "... Parece que se ouve o leve passo da lua pobre morta que passeia nos castelos hieráticos do espaço."
Castro Alves havia de associá-la a lembranças de amor.. E ei-lo declamando: "Entre rendas sutis, surge medrosa a lua plena, qual moreno seio."
Olegário Mariano, outro amoroso, teria impressões semelhantes: "Entre as árvores surge a lua como uma náiade nua mostrando em suaves coleioso torso, os braços os seios."
Seriam infinitas as citações. Antigos ou modernos, os poetas de todas as épocas se enfeitiçaram pela sua beleza.
Não poucas vezes foi invocada como testemunha de amor. Desde o idílio de Romeu e Julieta, no drama shakespeariano: "Linda! Por esta lua que tem zelos por ti, por este límpido luar, que é menos puro do que teus cabelos que brilha menos do que teu olhar..."
E a réplica, bem feminina de Julieta: "Não jures pela lua que é inconstante!"
Certa vez coloquei como epígrafe de meu livro "A Outra Face", este pensamento: "O poeta em mim, é como aquela face da lua que ninguém vê, voltada sempre para o infinito."
Não faz sentido mais. Hoje os astronautas e os foguetes teleguiados já fotografaram até a " outra face " da lua. Nosso lindo satélite não posa mais de "odalisca", com veuzinho no rosto.
Sinal dos tempos... Aviso de despejo. A lua pertence agora aos seus novos donos. Contentem-se os namorados com o luar, e os poetas, com a saudade.
"Se o cotidiano te parece pobre, não o acuse: acusa-te a ti próprio de não seres bastante poeta para conseguires te apropriar de suas riquezas."
Como quem diz: não desesperes. Colhe o mundo ao teu redor. Aí estão o homem e suas fronteiras. Aí está, portanto, a poesia.
Rejubila-te, enquanto os foguetes sobem. A poesia sobreviverá ao ano 2000 e a todos os tempos. E por isto justamente: porque está dentro de ti e em tudo que te cerca, é que ela é imortal.
A lua dos verdadeiros poetas é a sua poesia, e esta é um satélite onde só eles podem chegar. Mas cujo luar pertence a todos nós...
( J. G. de Araujo Jorge - No Mundo da Poesia/ 1969)
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