sexta-feira, 30 de setembro de 2011

quando o homem chora...


O ELOGIO DAS LÁGRIMAS - FUNÇÃO DAS LÁGRIMAS - Chorar : Propensão particular do sujeito amoroso a chorar: Modos de aparição e função das lágrimas nesse sujeito. A menor emoção amorosa de felicidade ou aborrecimento põe WERTHER em lágrimas. WERTHER chora copiosamente. Ele é o amante que chora ou é o ramântico?
... Liberando suas lágrimas sem nenhuma repressão, o amante segue as ordens do corpo amoroso, que é um corpo banhado, em expansão líquida: chorar junto: lágrimas deliciosas fecham a leitura de KLOPSTOCK que Carlota e Werther fazem em comum. De onde o amante tira o direito de chorar, senão de uma reviravolta dos valores que coloca o corpo como primeiro alvo? Ele aceita recuperar o corpo criança.
- SCHUBERT: Além disso, aqui, o corpo amoroso tem como duplo um corpo histórico. QUEM ESCREVERÁ A HISTÓRIA DAS LÁGRIMAS? EM QUE SOCIEDADES, EM QUAIS ÉPOCAS SE CHOROU? DESDE QUANDO OS HOMENS (E NÃO AS MULHERES) NÃO CHORAM MAIS? POR QUE A "SENSIBILIDADE" É, EM CERTO MOMENTO, TRANSFORMADA EM "SENSIBILISMO"?
- As imagens de virilidade são movediças; os gregos, os homens do século XVII choravam muito no teatro; São Luís, no dizer de MICHELET sofria por não ter recebido o dom das lágrimas; numa ocasião em que sentiu lágrimas deslizarem-lhe suavemente pelo rosto, "elas lhe pareceram tão saborosas e suaves, não apenas para o coração, mas também para a boca".
- SCHUBERT, "lobder thränem" [elogio das lágrimas], poesia de A. W. Schlegel.
(...) nas lágrimas mesmas do amante, nossa sociedade reprime, fazendo assim do amante que chora um objeto perdido, cujo recalque é necessário para a sua "saúde".
- No filme "A MARQUESA de O", o amante chora e os outros caçoam.)
- Talvez "chorar" seja por demais abrangente; talvez não se deva reduzir todas as lágrimas a uma mesma significação. Talvez haja, no mesmo enamorado, diversos sujeitos que assumem modos semelhantes, mas diferentes de "chorar". QUEM É ESSE EU QUE "TEM LÁGRIMAS NOS OLHOS"? QUEM É AQUELE OUTRO QUE, TAL DIA, ESTEVE " À BEIRA DAS LÁGRIMAS"? QUEM SOU EU, EU QUE CHORO "TODAS AS LÁGRIMAS DO MEU CORPO? ou que derramo ao acordar, "UMA TORRENTE DE LÁGRIMAS"?
- Se tenho tantas maneiras de chorar é, talvez, por sempre me dirigir, quando choro a alguém e por NÃO SER SEMPRE O MESMO DESTINATÁRIO de minhas lágrimas: adapto meus modos de chorar ao tipo de chantagem que, por minhas lágrimas, pretendo exercer à minha volta.
- Chorando, quero impressionar alguém, fazer pressão sobre ele ("veja o que você está fazendo comigo").
- Pode ser - e é comumente - o outro que coagimos assim a assumir abertamente a sua comiseração ou a sua insensibilidade; mas pode ser também eu mesmo: obrigo-me a chorar para provar a mim mesmo que minha dor não é uma ilusão: AS LÁGRIMAS SÃO SIGNOS, NÃO EXPRESSÕES. Por minhas lágrimas, conto uma história, produzo um mito da dor e assim posso acomodar-me a ela: posso conviver com ela, porque, chorando, dou-me um interlocutor enfático que recolhe a mais "verdadeira" das mensagens, a de meu corpo, não a de minha língua: "PALAVRAS, QUE SÃO PALAVRAS? UMA LÁGRIMA DIRÁ MUITO MAIS." (Schubert)
BARTHES, Roland - Fragmentos de um Discurso Amoroso
(Fatima Vieira - Psicóloga Clínica)

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