quarta-feira, 20 de julho de 2016

A Escandalosa Falta de Ética no Brasil

A Escandalosa Falta de Ética no Brasil - Leonardo Boff 
17/07/2016 às 00h31 Jornal do Brasil

O país, sob qualquer ângulo que o considerarmos, é contaminado por uma espantosa falta de ética.

[...] o que predomina é a esperteza, o dar-se bem, o ser espertinho, o jeitinho e a lei de Gerson.

A falta de ética se revela nas mínimas coisas, desde as mentirinhas ditas em casa aos pais, a cola na escola ou nos concursos, o suborno de agentes da polícia rodoviária quando alguém é surpreendido numa infração de trânsito até em fazer pipi na rua.

(...) Essa falta generalizada de ética é uma consequência perversa da colonização. 

Ela impôs ao colonizado a submissão, a total dependência à vontade do outro e a renúncia a ter a sua própria vida. Estava entregue ao arbítrio do invasor.

Para escapar da punição, se obriga a mentir, a esconder intenções e a fingir. Isso leva a uma corrupção da mente. 

A ética da submissão e do medo leva fatalmente a uma ruptura com a ética, quer dizer, começa a faltar com a verdade, a nunca poder ser transparente e, quando pode, prejudica seu opressor.

O colonizado se obrigou, como forma de sobrevivência, a mentir e a encontrar um “jeitinho” de burlar a vontade do senhor. 

A Casa Grande e a Senzala  são um nicho, produtor de falta de ética: pela relação desigual de senhor e de escravo.

O ethos do senhor é profundamente antiético: ele pode dispor do outro como quiser, abusar sexualmente das escravas e vender filhos pequenos delas para que não tivessem apego a eles. Nada de mais cruel e antiético que isso.

Aí as pessoas eram ultraexploradas e feitas totalmente dependentes.

Os comportamentos não eram éticos, de respeito às pessoas e garantia de seus direitos mínimos. Eram carvão  para a produção.

As relações de produção capitalista que se introduziram no Brasil pelo processo de industrializção e modernização foram selvagens.

Nosso capitalismo nunca foi civilizado: guardou sua voracidade de acumulação como nas origens no século XVIII e XIX. 

A exploração  impiedosa da força de trabalho, os baixos salários são situações eticamente condenáveis. Como superar essa situação que nos envergonha?

Antes de fazer qualquer sugestão minima, importa fazer uma auto-crítica. 

Que educação deram as centenas de escolas católicas e cristãs (pontifícias ou não) a seus alunos?

Bastava terem ensinado o mínimo da mensagem de Jesus de amor aos pobres contra sua pobreza para superar os níveis de miséria atual. 

Elas se transformaram em chocadeiras dos opressores.

Criaram um cristianismo cultural de crença mas não de uma fé engajada pela justiça. 

Por isso seus alunos raramente possuem uma incidência social. São antes pela manutenção do status quo do que por mudanças.

Para superarmos a crise da ética não bastam apelos, mas uma transformação da sociedade. 

Antes de ser ética, a questão é política, pois esta é estruturada em relações profundamente anti-éticas.

Para ser brevíssimos: tudo deve começar na família. Criar caráter (um dos sentidos de ética) nos filhos, formá-los na busca do bem e da verdade e não se deixar seduzir pela lei de Gerson e evitar, sistematicamente, o 'jeitinho'.

Princípio básico: tratar sempre humanamente o outro. 

Tomar absolutamente sério a lei áurea:não faça ao outro o que não quer que te façam a ti”

Siga o princípio de Kant: que o princípio que te leva fazer o bem, seja válido também para os outros. 

Oriente-se pelos dez mandamentos que são universais. Traduzidos para hoje: o “não matar” significa, venere a vida, cultive uma cultura da não violência.

O “não roubar”: aja com justiça e correção e lute por uma ordem econômica justa. 

O “não cometer adultério”: amem-se e respeitem-se, e obriguem-se a uma cultura da igualdade e parceria entre o homem e a mulher.

Isso é o mínimo que podemos fazer para arejar a atmosfera ética de nosso país. 

Repetindo o grande Aristóteles: ”não refletimos para saber o que seja a ética, mas para tornarmo-nos pessoas éticas”.

*Leonardo Boff (1938) doutorou-se em Teologia pela Universidade de Munique. Foi Professor de Teologia Sistemática e Ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e depois Professor de Ética, Filosofia da Religião e de Ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Conta-se entre um dos iniciadores da Teologia da Libertação.

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