domingo, 14 de junho de 2020

Ψ O Mal Estar na Civilização

Mefistófeles de Goethe: "o demônio nomeia como seu adversário não o que é santo e bom mas o poder de que a natureza tem de criar... de multiplicar a vida, ou seja, EROS".
*A inclinação para a agressão e auto-destruição sendo uma disposição instintiva original seria o maior impedimento à  civilização?
*Freud sugere que isso é o maior impedimento à civilização, ele refere que a civilização constitui um processo a serviço de Eros, que tem como propósito unir indivíduos humanos isolados, depois famílias, raças e nações numa única grande unidade, que seria a humanidade. *Esse é o trabalho de Eros. Porém, existe o instinto agressivo que é o principal representante do instinto de morte, Tanatos, que está lado a lado com Eros e com este divide o domínio do mundo.
*A civilização representa a luta inevitável entre Eros e a Morte, como instinto de vida e o instinto de destruição, tal como ela se elabora na espécie humana.
*Poderíamos imaginar perfeitamente uma comunidade cultural que consista de indivíduos libidinalmente satisfeitos, se vinculando uns aos outros através do trabalho comum e outros interesses da comunidade.
*Se assim fosse, a civilização não precisaria extrair energia alguma da sexualidade. Porém, isso não acontece e nem nunca ocorreu ... a realidade nos mostra que a civilização não se satisfaz com as ligações até agora concedidas.
*Uma das exigências ideais da sociedade civilizada poderia ser: "amarás a teu próximo como a ti mesmo" ... aí vem os questionamentos: Por que devo agir desse modo? Que bem isso me trará? Como isso pode ser possível? Meu amor, para mim, é algo valioso, que eu não o negligencio sem reflexão. Se amo alguém, esse alguém precisa merecer meu amor de alguma maneira. (Não estou levando em consideração o uso que dela posso fazer, nem sua possível significação para mim como objeto sexual, posto que nenhum desses dois tipos de relacionamento entra em pauta onde o preceito de  amar meu próximo está em jogo).
*A pessoa só pode merecer meu amor, se for de tal modo semelhante a mim, em aspectos importantes, que eu me possa amar nela... terei de amá-la, se for filho do meu amigo, já que o sofrimento que este sentiria se algum dano lhe ocorresse seria meu sofrimento também,  posto que eu teria que partilhá-lo.
*Entretanto, se se essa pessoa me for estranha e eu não ter nenhuma atração por seus valores, me será mais difícil amá-la.
*Na verdade, eu estaria errado agindo assim, com a pessoa amada, pois seria injusto colocar um estranho no mesmo plano.
*Se, no entanto, devo amar todos os seres com o amor universal, somente por ele ser um habitante da terra, assim como o são o pássaro, o inseto, a minhoca, a cobra... receio então que só uma pequena quantidade de meu amor caberá aqui.
*Através de um exame mais detalhado, descubro ainda outras dificuldades: esse estranho, indigno do meu amor, honestamente tenho que confessar que ele possui mais direito a minha hostilidade, e até mesmo, o meu ódio.
*Esse estranho nem mesmo me parece apresentar o mais leve traço  de amor ou a minima consideração para comigo.
*Ainda, se esse estranho puder auferir uma vantagem qualquer, não hesitará em me prejudicar... se ele puder, com certeza poderá me insultar, me caluniar e mostrar sua superioridade se assim eu permitir.
*E quanto mais seguro esse estranho se sentir e mais desamparado eu estiver, mais posso esperar uma traição... e eu estarei a tratá-lo da mesma forma.
*Se aquele imponente dissesse: "Ama a Teu Próximo Como Este Te Ama", eu não teria nenhuma objeção.
*A isso uma voz solene me repreende: "É precisamente porque teu próximo não é digno de amor, mas, pelo contrário, é teu inimigo, que deves amá-lo como a ti mesmo". 'credo que absurdum'.
Assim Hine confessa: "Minha disposição é a mais pacífica. Os meus desejos: uma humilde cabana com um teto de palha, mas boa cama, boa comida, o leite e a manteiga frescos, flores em minha janela e algumas belas árvores em frente de casa e, se Deus quiser tornar completa a minha felicidade, me concederá a alegria de ver seis ou sete de meus inimigos enforcados nessas árvores... antes da morte deles, eu, tocado em meu coração, lhes perdoarei todo o mal que em vida me fizeram. Deve-se, é verdade, perdoar os inimigos - mas não antes de terem sido enforcados." (Gendanken und Einfalle)
*O elemento de verdade por trás disso tudo, o que as pessoas tendem a repudiar, é que os homens não são  criaturas gentis que só querem ser amados e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade.
*Nesta perspectiva, o seu próximo é, para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também  alguém que pode exercer sobre ele a sua agressividade, explorar sua capacidade de trabalho se compensação, utilizá-lo sexualmente sem seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo.
*A inclinação para a agressão, que detectamos em nós mesmos e supor com justiça que ela está presente nos outros, constitui o fator que perturba nossos relacionamentos com o próximo e força a civilização a um dispêndio tão elevado de energia.
*Em consequência dessa mútua hostilidade primária dos seres humanos, a sociedade civilizada se vê permanentemente ameaçada de desintegração.
*O interesse pelo trabalho em comum não a manteria unida; as paixões instintivas são mais fortes que os interesses razoáveis.
*A civilização para estabelecer limites para esses instintos agressivos e mantê-los sob controle o faz por formações psíquicas reativas.
*Daí o emprego de métodos para inibir relacionamentos amorosos, restringindo a vida sexual e enfatizando no mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é  realmente justificado pelo fato de nada ir tão  fortemente contra a natureza original do homem.
*Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor porque lhe é tão difícil ser feliz nessa civilização sem pagar um alto preço através de tantos transtornos mentais.

Fonte: Freud, Sigmund, 1856/ 1939 - Cinco Lições de Psicanálise
'O Mal Estar na Civilização' - Tradução: Jose Octávio Aguiar Abreu
Revisão Técnica: Walderedo Ismael Oliveira 
Ψ Fatima Vieira - Psicóloga Clínica 
http://fatimavieira.psc.br/

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