*A frase 'o amor é dar o que não se tem (a alguém que não o quer)' é citada no Seminário VIII - "A Transferência" (1960-1961), e também no texto "A Direção da Cura" (1958). *Isso é Transferência Analítica, que Freud traduz como amorosa.
*Lacan cita a frase se apropriando do discurso de Platão ’O
Banquete' que diz: "é impossível a qualquer pessoa dar aquilo que
não tem, nem ensinar aquilo que não sabe".
*Amor: "sentimento de afeição de um ser por outro, às vezes
profundo, violento mesmo." (...) onde a análise mostra que pode estar marcado pela
ambivalência e que não exclui o narcisismo. (Dictionnaire de la
Psychanalyse)
*Como Platão explica o mito da origem do Amor?
*O Amor é filho de Poros (a Riqueza) e de Penia (a Pobreza).
*No nascimento de Afrodite (fruto dos órgãos castrados
de Zeus, lançados ao mar), os deuses deram um banquete comemorativo, ao qual
compareceu Poros (riqueza) e Penia (miséria).
*Penia sem presente a oferecer, sentou-se nas escadarias, para
mendigar as sobras da mesa.
*Poros se embriagou, saiu para o jardim e adormeceu. Penia o
seduziu e se fez engravidar por ele.
*E Nasceu Amor, de um masculino passivo, desejável, e um feminino
ativo, desejante.
*Quem é o Amante? É aquele que, sentindo que algo lhe falta, mesmo
sem saber o que seja, supõe em outro, o amado, algo que o
completaria. O amado, por sua vez, sentindo-se escolhido, supõe que tem algo a
dar, sem saber bem o quê.
*Mas, como o amado é também um ser falante e faltante, algo
também lhe falta, como ao amante.
*Assim, o que ambos têm a dar é um nada, um vazio. E aquilo que o
amado supõe ter para dar, não é o que falta ao amante.
*O amante não sabe o que lhe falta, o amado não sabe o que tem, um
não-saber que é do inconsciente.
*Quanto ao amor, nada mais discordante, como diz Lacan: "basta
que se esteja nele, basta amar, para ser presa desta hiância, dessa
discórdia". (*Se há um lugar no qual a humanidade cabe, onde cabe toda a
nossa angústia de existir, esse lugar é essa fenda de que fala Lacan).
*E o analista?
*Este se coloca, inicialmente, na posição de amante, de demandante.
Já que decidiu ser analista, este desejo lhe indicou que algo lhe faltava.
*Faltava ser analista. Falta fundada no desejo de saber sobre o desejo do paciente, do amado.
*O analista pede, então, que o paciente lhe dê ou fale algo que ele, analista, não sabe o que é.
*O paciente, por sua vez, supondo que tem algo a dar, a dizer, o seu não saber sobre os sintomas, inverte a situação, passando a amante, agora na posição da atividade associativa.
*O paciente sabe que tem algo não-sabido, o analista sabe que seu saber é só suposto.
*Assim, cada um só tem a dar um nada. Isto é a
transferência, dar o que não se tem o verdadeiro amor.
*Diz Lacan: "Para que o analista possa ter aquilo que falta ao outro, é preciso que ele tenha a nesciência.
*É preciso que ele esteja sob o modo de ter, que ele não seja, ele
também, sem tê-lo, que não falte nada para que ele seja tão
nesciente quanto seu sujeito".
*Daí a importância de que o analista não compreenda e não confie
na sua compreensão. É bom até duvidar dela. Ele não tem que
procurar, mas convém achar, justo onde não compreende e não
espera encontrar.
*Pois, "é somente na medida em que, decerto, ele sabe o que é o
desejo, mas não sabe o que esse sujeito, com quem embarcou na
aventura analítica, deseja, que ele está em posição de ter em si,
deste desejo, o objeto".
*E se o analista sabe o que é o desejo, sabe-o pela própria
experiência de se ter defrontado com o "objeto a", causa do desejo,
em sua própria análise.
*Foi um processo de depuração de um desejo mais forte, uma
mutação na economia de seu próprio desejo, que o transformou
em desejante, habilitado a ocupar o lugar de desejado, lugar de
causa do desejo.
*Estão dadas assim as condições para que aconteça o verdadeiro
amor, no dizer de Lacan:
"A cela analítica, mesmo macia, não é nada menos que um leito de
amor".
*Duas pessoas se encontram, com determinada frequência, num certo período de tempo, e numa salinha, onde passam horas a
sós, falando do que há de mais íntimo, pessoal, secreto, sofrido,
magoado, esperançoso, feliz, todas as fantasias à solta,
nenhum risco de julgamento ou censura.
*Sem falsas promessas, dizem-se coisas que a ninguém mais é dado
ouvir, nem aos pais, irmãos, parentes, amigos, namorados,
amantes, parceiros, colegas; coisas que, se não fossem ditas ali,
nunca mais seriam proferidas pelo resto da vida, e isso, diante de
alguém total e incondicionalmente disponível a escutar, sem
limites.
*Então, isto não é o grande e verdadeiro amor?
Aquele que dá o que não tem?
*E Lacan fala que os discursos de amor em Platão se
assemelham a relatos de sessões de psicoterapia.
*Uma citação, Direção da Cura:
"Se o amor é dar o que não se tem, é bem verdade que o sujeito
pode esperar que se lhe dê, já que o psicanalista não tem nada
mais a lhe dar. Mas, mesmo este nada, ele não lhe dá, e é melhor
assim: é por isto que, este nada, paga-se a ele, e generosamente, de
preferência, para mostrar que, se não fosse assim, isto não seria
caro".
Fonte: Professor Geraldino Alves Ferreira Netto - Escritor, Professor da PUC Psicólogo, Psicanalista.
FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, E.S.B., vol. VII, Imago.
FREUD, S. Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor, E.S,B., vol. XI, Imago.
FREUD, S. Sobre o Narcisismo: uma introdução. E,S.B., vol. XIV, Imago.
FREUD, S. Além do Princípio de Prazer, E,S.B. vol. XVIII, Imago.
LACAN, J. Écrits, La direction de la cure. Ed. du Seuil.
LACAN, J. Seminário VIII: A Transferência, Jorge Zahar
PLATÃO, Diálogos, Edições de Outro e Ed. Tecnoprint.
(Ψ Fatima Vieira - Psicóloga Clínica)
2 comentários:
Eu faço análise...É isso sim!
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