domingo, 16 de novembro de 2008

O universo feminino na visão de ALMODÓVAR


PEDRO ALMODÓVAR (24/09/1951), Diretor de cinema espanhol. Iniciou sua atividade artística na área do teatro e do movimento vanguardista. Transformado em estandarte da Movida Madrileña (movimento de renovação cultural lançado em Madri após a morte do ditador Francisco Franco), de 1974 a 1978 realizou filmes em Super 8, seu primeiro longa-metragem. Sua carreira começou realmente com Pepi, Luci, Bom/1979-1980, ponto de partida definitivo do estilo Almodóvar, tanto na forma como no conteúdo. Nesse filme já aparecem todos os elementos característicos dos trabalhos seguintes: Labirinto de Paixões/1982; Maus Hábitos/1983; Que Eu Fiz para Merecer Isto?/1984; Matador, 1986; A Lei do Desejo, 1986. Os irmãos, a mulher, as donas-de-casa, as relações conjugais turbulentas, a moça supermoderna, os anúncios, a música, as fotos, as janelas, os movimentos de câmara extravagantes, a paisagem urbana (Madri), os ambientes kitsch, a amizade entre mulheres, a homossexualidade, a transexualidade, a depravação, o absurdo ao estilo de Luis Buñuel. Em Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos/1988, rompeu um pouco com seu cinema anterior, mas de um modo coerente: abandonou o frívolo e o miserável e passou para o sofisticado e elegante, sem deixar de ser ele próprio, como continuou a demonstrar em filmes como Ata-me /1989; De Salto Alto/1991, Kika/ 1993; A Flor do Meu Segredo/1995 ou Carne Trêmula/1997. Almodóvar transformou-se no mais popular cineasta espanhol e com maior projeção internacional, ainda mais depois de Tudo sobre Minha Mãe/1999, que lhe deu o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Raimunda (Penélope Cruz) e sua irmã Soledad (Lola Dueñas) visitam o túmulo de sua falecida mãe (Carmen Maura) para limpá-lo e encerá-lo, conforme dita a tradição do lugarejo onde elas cresceram. Elas também visitam uma tia senil que conversa com a mãe das moças como se ela ainda estivesse viva, e é olhada de perto por uma prestativa amiga da família, Agustina (Blanca Portillo).
A desgraça vem em dose dupla quando a tia vem a falecer e a filha adolescente de Raimunda (Yohana Cobo) passa a ser molestada pelo próprio pai. O fantasma da matriarca da família passa a aparecer com maior freqüência para Soledad, desencadeando eventos que afetam drasticamente as rotinas de todas as mulheres que a conheceram em vida. Tenso, engraçado, revoltante e tocante, o filme é puro Almodóvar. Ensaia uma retorno às cores berrantes do início da carreira do diretor, mas somente timidamente, e sempre em passagens abrilhantadas por uma radiante Penélope Cruz.
O desprezo pelos personagens masculinos é tão gritante que, no final do filme, a platéia fica a se indagar se o marido de Soledad também não entrou na dança protagonizada pelas demais mulheres da família. Elas, por sua vez, voltam a encarnar a força motora por trás dos acontecimentos enquanto representam o papel de pivôs de tragédias e mudanças, uma constante na filmografia de Almodóvar.
Há mensagens dentro da trama, com certeza. Sendo uma história centrada em pessoas, é sempre possível tirar algo de proveito do filme relacionado à natureza humana. A idéia que mais forte é a de que, não importa quão absurda seja a atitude de alguém, não importa o grau de revolta com o qual nos deparamos nestas situações, sempre há um motivo para tudo. NINGUÉM ABANDONA ALGUÉM SEM MOTIVO, NINGÚEM SAI DO SEU COMPORTAMENTO NATURAL SEM UMA BOA RAZÃO, NINGUÉM RENEGA ALGUÉM IMPORTANTE COMPLETAMENTE SEM QUE ALGO MUITO IMPORTANTE TENHA ACONTECIDO.

Volver é o nome da canção que Penélope Cruz canta a certa altura do filme. Na verdade, quando ela o faz, com muita graça, a história já anda pelo fim. E fala disso, entre outras coisas, da experiência da volta. Só que o que acontece nessa mais uma vez inspirada história passional almodovariana não deixa de ser surpreendente. Ou seja, volta quem se supunha que não pudesse voltar.
Não existe nenhum enigma nisso, a não ser que se pense que pessoas que já morreram se tornam ausentes também no imaginário dos que vivem. Quer dizer, que não vivam como lembranças, ou como, por assim dizer, acidentes de percurso simbólico. Um pai muito importante, uma mãe marcante não desaparecem simplesmente porque deixaram de ter existência física. Estão presentes e determinam até certo ponto a vida das pessoas. É como se costuma dizer: muitas vezes os mortos governam os vivos.

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