domingo, 19 de junho de 2011

se o amor não puder fazer de você um poeta, então nada o fará (Osho)

Vivia no mais belo pinheiral e sentia-se orgulhoso de ter a sua volta os pinheiros mais frondosos, mais antigos e sábios que lhe brindavam com mil contos da atualidade e do seu passado mais remoto. Eles, por sua vez, invejavam sua juventude, seu frescor, sua doce fragrância, sua alegria.


Fazia-os voltar aos tempos em que brotaram de um pinhão, mas isso há tanto tempo que nao tardaram em voltar aos seus fartos ramos e a seus grossos troncos, à sua velhice. Ele era ainda um jovem pinheiro delgado que sonhava ser como eles. Conforme foi crescendo, os mais velhos o faziam saber que o mais alto dentre eles teria o sol a seu favor, dando-lhe o calor necessário para florecer na primavera. E cresceu o quanto foi possível. Um belo dia, não se sabe porque, notou que lhe tremiam os ramos, sem brisa ou vento que os pudessem mover. Pensou se seria normal, mas não se atreveu a perguntar e, dia após dia, sentia seus ramos tremerem, derrubando as próprias pinhas. Temeroso que fosse algo raro, contagioso, resolveu calar-se sofrendo no âmago de seu ser. Os demais o viam mover-se, balançar-se de maneira estranha, pensando que talvez o sol o tivesse embebedado com seu calor, que de tanto beber logo iria cair ou, talvez, fosse mal de amor, daqueles que machucam a alma. Mas ninguém lhe inquiriu quando o viram chorando ao longe e passou desapercebido seu coração de madeira nobre rompendo-se em mil pedaços, isolando-se cada dia mais e mais em sua infinita tristeza.
Um dia afinal, o pinheiro olhou para cima, buscando alguma razão, uma saída, mas sua mirada em nada se parecia com a de antes. Fazia tempo que não crescia, não estendia seus ramos ao amanhecer buscando o doce calor do dia; há muito não queria ver seu amigo e por isso se alegrou tanto o sol ao vê-lo aparecer.
- Que se passa contigo, bom amigo? Perguntou-lhe o sol. O pobre pinheiro derramou-se em explicações do que lhe acontecia últimamente:
- Já não sou mais quem tu lembras, algo em mim está mal. Se prestares atenção verás minhas folhas tremendo sem razão, minhas raízes estão rígidas e me custa muito falar; há ocasiões em que perco a força, pareço um bêbado e quedo ao solo.
O sol, ao dar-se conta de sua profunda tristeza, o acariciou com o mais cálido de seus raios e pegando-lhe por um dos ramos deu-lhe um doce beijo: “Falarei com a lua. Do céu ela é a mais sábia.”
No dia seguinte o sol voltou ao local a procura do pinheiro. Perguntou aos demais e todos lhe indicaram um platô sombrio do bosque onde ele jazia chorando.
- Amigo pinheiro, não te preocupes tanto! E, enxugando-lhe a resina que de seus olhos fluia, explicou:
- “Falei com a lua. Teu tremor é devido a um mal chamado Ataxia. É uma doença um tanto rara, que poucos conhecem, rechaçada pelos ignorantes. Sei que entre os humanos há muita dor, pois a lua enxuga as lágrimas das pessoas que buscam em sua luz uma saída, um amigo que as entenda melhor, um ouvido que simplesmente as escute, uma mão prá segurar, um consolo, alguma solução, mas entre essa espécie há muita desunião e o que para uns é algo condenável, mau e desprezível, para outros parece ser o fim de sua agonia e uma vida melhor".

(...) o sol, prevendo sua curiosidade, respondeu: - Não é mortal, meu doce amigo, nem irás contagiar alguém.”
Enquanto falavam, um pintassilgo passou voando rasante ao solo e ao ouvi-los pousou em um galho. Sem poder evitar, deixou cair várias lágrimas, achando injusto que alguém sofresse por algo que se podia evitar, e ele sabia como.
De sua garganta saiu uma bela melodía, diferente, especial, soando como mil harpas, em compasso angelical. A canção lhe saia da alma e todos que a ouviam paravam procurando a criatura dona daquele som.
Não contente em cantar naquele lugar, começou a voar percorrendo os bosques vizinhos com seu trinado que a todos maravilhava e cantando contava a história de um jovem pinheiro, o mais belo que conhecera, risonho, amável e amigo, cujo destino certo dia uma doença mudou, pedindo a todos que cantassem com ele, repetindo incansável sua bela canção, desde o mais alto píncaro ao mais profundo dos vales.
Tinham que manter-se unidos, ajudar o jovem pinheiro até que um dia algum sábio encontrasse a solução para evitar aquela dor. De um bosque a outro, a canção do pintassilgo percorreu o mundo, até que num lugar remoto um velho mago, bruxo e advinho a escutou sentado em seu caminho e do belo canto se enamorou.
Sendo feiticeiro, compreendia o que a canção transmitia com tristeza e dor, contando a história de um jovem pinheiro que adoecera de um mal desconhecido. Procurou esse canto amigo e encontrou o pintassilgo exausto de tanto voar, pois há meses cantava sem descanso nem trégua. Socorrendo-o, deu-lhe abrigo, carinho, cuidados e mimos. Por fim ele voltou a cantar elevando ao céu seu trinado, desatando profundo pranto na alma do feiticeiro atento a ouvi-lo maravilhado, ainda que isso o deixasse com os olhos toldados e o coração dolorido.

A canção do pintassilgo percorreu o mundo por terra e pelo ar chegando a todos os rincões. Enquanto isso o mago não parava de pensar, procurando uma solução para ajudar o pinheiro. A ele foram juntando-se magos de todos os lugares e puseram-se a testar mil remédios mas nada resultou que aplacasse o mal.
Uma noite cansado o mago olhou para a lua e com lágrimas de impotência pediu-lhe ajuda, mas nada podia fazer a lua além de escutar seu pranto. Foi nesse instante que achou a solução:
Passaram meses trabalhando todos juntos em perfeita união e felizes, um dia disseram ao pintassilgo que seu amigo se sentiria melhor com um transplante de nova resina com umas gotas de amor de todos aqueles que choraram por aquela dor alheia. Correndo voou o pintassilgo recolhendo as gotas salgadas de tantos e tantos que pelo pinheiro haviam chorado. Quando tudo foi reunido, os magos foram ao bosque onde triste jazia o pinheiro, depauperado mas formoso, deram-lhe de beber o doce nectar e, pouco a pouco, ele foi sentindo-se melhor, embora não houvesse cura.
... Foi isso que aconteceu, embora ninguém se apercebesse de que o pinheiro foi salvo de fato, apenas pelos corações humanos unidos por sua dor.
Fábula do pinheiro com ataxia - (Autor Desconhecido - Grupo Ataxianet)

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