quinta-feira, 21 de maio de 2015

Ψ Quando Cupido Ataca Ou O Amor Que Não Se Basta

O que vem a ser o amor que não se basta
E a alma dolorida não aquieta
O que vem a ser o amor
que só o corpo exige
e não se basta?
O que será do amor que alucina
e fica à deriva de momentos
que passam como o vento
e não sopram como brisa,
mas, como furacão que só castiga,?.
Será que é amor ou posse
ou  o Ego que maquina
o quanto quer na forma de poder
a  que se inclina?
Verdade ou ilusão que se

traveste de verdade
ou apenas orgulho corrosivo...
Será amor, aquele que não ama

e espera receber como coroa

que engrandece o ser,
faz festa e alucina...

mas não se entrega
como dádiva Divina ? 

(Guaraciaba Perides)
consulte aqui
                                       *Ouça o poeta Rumi:
                                            O amor é tolo, não a razão.
                                                 Razão procura um lucro.

                                                          (...) Tendo morrido interesse pessoal,
                                                                          arrisca tudo e não pede nada.
                                                                                 Amor perdido apostando cada presente
                                                                                          concedido por Deus.


                               O Que a Psicanálise Tem a Dizer?


*(...)  Freud constatou no amor a fonte de valiosos vínculos entre os humanos, mas constatou também que a felicidade não é fácil

*Para Freud a eleição de objeto de amor é repetitiva, o que remete a uma determinação inconsciente.

*Argumentou que o desejo desestabilizava o nível mínimo de tensão necessário para se formalizar o princípio do prazer, pois, basta desejar para que tal harmonia se perca.

*O desejo comporta um excesso que ao ser reconhecido seria o desestabilizador.

*Então Lacan abordou como harmonia homeostática governadora do prazer, algo mais além do  princípio do prazer.

*E, se a felicidade é pensada em Kant, como “satisfação ininterrupta do sujeito com sua vida”,diz Lacan que desde Freud ela não é destinada aos desejantes. 

*Ou seja, (...) “É claro que ela se recusa a quem não renuncia à via do desejo”.

*Lacan refere um circuito inconsciente de desejo e gozo favorecendo a construção de uma fórmula secreta para a condição de amar, ou seja, para a escolha de objeto sexual que cada sujeito se impõe. 

*Lacan buscou na Filosofia clássica o “antigo termo paixão”, para expressar as paixões do ser e da alma.

*As paixões do ser, amor, ódio e ignorância, são decorrentes da relação com o Outro e supõem ação: amamos, odiamos, ignoramos ...

*nas palavras de Lacan: “Amor, ódio e ignorância são atos em relação ao ser, são afetos”.

*Lacan refere que o amor favorece a renúncia ao gozo e pode se inscrever com função de mediação, possibilitando a articulação entre o gozo do Um e o desejo do Outro

*Coisa estranha é o amor! Para além do amódio, sem equivaler-se a nenhum amor
místico, um “novo amor”, “um amor sem limites”
.


*Lacan, por sua vez, não simplifica a questão,... se propõe a pensá-lo em termos de funcionamento psicótico

*Para Lacan o discurso analítico revelou que todo amor se baseia em certa relação entre dois saberes inconscientes.


O afeto, nesse caso, já não se limita à série prazer-desprazer, marcadamente freudiana. 


*Seu sentido “foi ampliado como o efeito do saber no corpo”. (Miller)

*As paixões do ser surgem no momento em que o inconsciente é trabalhado como falta-a-ser, o Outro e o sujeito barrado são atores principais, e a dialética do desejo é o cenário das ações. 


*Lacan dá ênfase na demanda sempre insatisfeita, portanto, amor, ódio e ignorância constituindo formas de buscar, no Outro, o que acalma ou parece preencher a falta-a-ser. 

*(...)  “você é minha mulher”, com o amor apontando o ser, mas, quando tudo depende do Outro, escreve Lacan (1957), em As formações do inconsciente: a solução fundamental, buscada por todos os humanos, do início ao fim da existência, é ter um Outro todo seu. E isso “é o que se chama amor”. 

*Lacan afirma que a definição de amor é dar o que não se tem.

*Para amar é preciso colocar-se na posição do que não tem, ainda que se tenha, e no amor damos o que não temos.

*Ele fala em “eixo do amor”, situando-o “não no objeto, mas, naquilo que o objeto não tem”.

*Cita ele que “o amado no amor é o que está para além do sujeito, literalmente, o que ele não tem”.

*A questão do ato, inerente ao amor, continua e não se perderá em Lacan. 

*Agora é focalizado pela dialética do ser e do ter, girando em torno do drama fálico que o institui no campo do projeto, de uma promissória para o futuro: “A demanda incondicional de amor demanda o desejante no outro, aquilo que é desejado”.

*Lacan menciona: Em Platão a miséria pode conceber o amor. Sócrates: “O amor não é coisa divina”. Aristóteles: a partir da sabedoria de Empédocles, orientou-lhe que “Deus era o mais ignorante de todos os seres, por não conhecer o ódio e isso é saber pouco sobre o amor, é saber menos que os mortais".

*A função do desejo no amor referia-se ao fato de que o desejo intervém no amor, é seu pivô essencial e, portanto, o desejo não diz respeito ao objeto amado.

*Afirmação forte, explicada no sentido de que o “amor é a sublimação do desejo”.

*Segundo Lacan, tudo o que Freud disse sobre o amor coloca em evidência, de um lado, “as pulsões parciais exigindo a ordem sexual” e, do outro, o amor. 

*Malgrado a ambivalência amor e ódio, estabelecida pelo criador da Psicanálise, segue Lacan, “se a pulsão genital existe”, ela não se articula do mesmo modo que as outras. 

*Ela está “submetida à circulação do complexo de Édipo, às estruturas elementares e outras de parentesco. É o que se designa como campo da cultura.” 

*Colocar-se na posição de desejante, conforme escreve em época de formalização do objeto a, é pôr-se na posição de falta do objeto a, o que abre a porta para o gozo do ser e da possibilidade de ser apreciado como “amável”

*Por esse motivo é que o “amor-sublimação permite ao gozo condescender ao desejo”.

*Aí está claramente esse algo a mais no cenário, o gozo, e no caminho de condescender ao desejo, a angústia.

*Mais, mais ainda, ainda mais, Miller (2008), recorda que o seminário A ética da Psicanálise serviu para que se formasse o conceito lacaniano de gozo, mas, nele, o gozo pode ser desenvolvido sem referência à relação sexual.
 
*(...)  que não há puro prazer em nível algum humano. 

*Até no princípio do prazer freudiano, em que Lacan reconhecia funcionamento na busca da homeostase, há regime de gozo, pois ali o desejo introduz um excesso, nele há intervenção da inscrição simbólica.

*Nesse sentido, pode-se dizer que há gozo do corpo e que este fica unido e até se confunde com o gozo do significante.

*Gozo do corpo e do significante são duas faces da mesma moeda, afirma Miller (2008), porque só há gozo do corpo pelo significante e há gozo do significante porque o ser da significação está enraizado no gozo do corpo.

*
Lacan (1972-1973/1982), escreve que o gozo do Outro, do “corpo do Outro que o simboliza”, não é signo de amor, pois o gozo não é signo de amor. 


*O amor, sim, faz signo, signo do sujeito, pois é recíproco. 

*A invenção do inconsciente é o modo de perceber que o desejo do homem é o desejo do Outro e que o amor, se comporta uma paixão, esta é a ignorância do desejo.
A devastação que pode propiciar o demonstra.

*É que amor demanda amor, mais, mais ainda, em sua essência narcísica, afirma Lacan.

*Assim, “embora recíproco, ele é impotente", já que ignora que é apenas desejo de ser Um, o que leva à impossibilidade de estabelecer a relação dos dois sexos.

*O princípio de que “nós dois somos um só”, é forma de dar significado à relação sexual, ignorando que, nas parcerias, há dois, cada qual um. 

*A não relação sexual é fato decorrente da existência do inconsciente e, daí, o gozo do Outro, tomado como corpo, é sempre inadequado.

*Ele é perverso pelo ângulo em que o Outro se reduz ao objeto a; ele é louco porque nele se crê como os psicóticos creem em suas alucinações; e enigmático, pois “sempre há signos pontuados enigmaticamente da maneira pela qual o ser é afetado enquanto sujeito do saber inconsciente”.

*Por sinal, a psicose mostra, em toda sua radicalidade, a loucura do amor, em sua articulação com o gozo, ponto no qual falo e castração não conseguem dar razão ao que está em jogo.

*O real em jogo no amor sinaliza algo de impossibilidade e, como disse Lacan, “poeticamente” chamava de coragem o que o parceiro precisa, no enfrentamento do destino fatal que lhe aguarda. 

*Destino do reconhecimento de que a relação de sujeito a sujeito, sujeito como apenas efeito do saber inconsciente, é contingencial, ela para de não se escrever. 

*A relação sexual, por sua vez, é da ordem da impossibilidade, ou seja, não para de não se escrever. 

*Na ordem da contingência, “Não há outra coisa senão encontro, o encontro, no parceiro, dos sintomas, dos afetos de tudo que, em cada um, marca o traço de seu exílio, como falante, da relação sexual”.

*Todo amor tende a passar da contingência à necessidade, ao não para de escrever-se, constituindo seu drama.

*Não é sem sentido, então, que a Psicanálise tenha se dedicado tanto ao trabalho de como se pode amar outro, para além de si mesmo.


*O amor é forma de deixar de lado o corpo e aferrar-se à palavra, o que as mulheres sabem bem fazer, conforme ensinou a Psicanálise lacaniana.

*Mas, ela também ensinou que, pelo gozo, chega-se ao objeto e ao gozo do próprio corpo.

*As novas formalizações sobre o gozo, apresentadas no seminário Mais, ainda, circunscreveram que a simbolização não anula o gozo e sim o mantém e até o produz, pois se goza do significante pela palavra e pela escrita.

*As categorias sujeito barrado e Outro, nessas formalizações, sofreram mudanças. 


*O termo sujeito, marcado pela falta-a-ser, mortificado pelo significante, ainda é usado, mas Miller (2008) alerta que já não se pode desconsiderar sua parcialidade.

*Ao final de seu ensino, Lacan prefere usar as expressões “falasser”, ser falante, porque elas expressam o sujeito completo pelo corpo de gozo, corpo sexuado.

*O mesmo sucedeu com o Outro, pensado, inicialmente, em sua dimensão de carne, de ser vivo e, depois, enfatizado em seu caráter simbólico, significante. Nesse lugar significante, trata-se de um Outro mortificado, um lugar abstrato, formal. Ao final, nele há corpo de gozo.

*Nesse contexto, entre o homem e a mulher, está o sintoma, meio de gozo e, “Se estou ligado ao Outro, é porque o Outro, para mim, é sintoma, ou seja, modo de gozo de meu corpo”. (MILLER, 2008). 


"Os não tolos erram", Lacan (1973), ou seja, diz que se o amor é metáfora de algo, ela o é do peixe que alguém tenta afogar, no encontro de um homem com uma mulher.
 
*Lacan vai além:  o casamento é um engano recíproco e, por isso, pensava que ele é amor, pois, o amor é aquilo a que os corpos tendem, ou seja, enlaçarem-se. 

*Mas não conseguem. A um corpo não lhe ocorre, nunca, enlaçar-se.

*Lacan refere que a sabedoria não serve para nada no amor.

*O amor é nada mais que um dizer que se dirige ao saber do inconsciente e não tem nada a ver com a verdade.

*Ele é o laço essencial entre real e simbólico e, sua finalidade é o puro fracasso, ou seja, deixa de se escrever, precisa de constante verificação.

*É a falta de conhecimento sobre as regras do jogo amoroso o que articula os nós do amor, mas a clínica ensina que o amor obstina em tudo que é contrário ao bem-estar do outro e, por isso, um dia o chamou “odioenamoramento.” (LACAN, 1975). 

*Em Os quatro conceitos fundamentais, Lacan escreve:" eu te amo, mas porque inexplicavelmente amo em ti algo mais que tu, o objeto a minúsculo, eu te mutilo."

*Esta trajetória escolhida para abordar o amor mostra a importância da determinação inconsciente na eleição dos parceiros. 


*Freud já referia e Lacan persiste sobre as formas fantasísticas e sintomáticas, condições fundamentais para investimento do desejo em um parceiro sexuado.

*Para Freud, a eleição é sempre determinada pelo inconsciente, ou seja, pela castração, e que o inconsciente incide na eleição de objeto da fantasia.

*Mais ao final do ensino lacaniano, com sua ênfase no gozo e não tanto no desejo, a diferença entre sintoma e fantasia se esvaece a ponto de Lacan usar uma grafia antiga, sinthoma, para nela incluir sintoma e fantasia (MILLER, 2001). 

*Ao parceiro fantasístico, parceiro do desejo, agrega-se o gozo, pois, nas últimas definições de sintoma, este sempre foi mencionado como forma de gozar.

*O principal parceiro de alguém é, assim, o inconsciente. 


*Ele se interpõe entre as parcerias humanas, e o sintoma é uma maneira de gozar não do parceiro eleito, mas do próprio inconsciente.

*É nesta perspectiva que Miller  afirma ser o amor o que diferencia o parceiro de um puro sintoma, ou seja, “ele é a função que projeta o sintoma no exterior”.

*E isso fortalece o conceito de que "não há relação sexual", e sim relações.

"Agiste conforme o desejo que te habita?" (Lacan)

Referências:

FERRARI, Franco Ilka  -  Acerca do amor e algumas de suas particularidades na psicose
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), Belo Horizonte, M.G, Brasil
FREUD, S. Um tipo especial de escolha de objeto deita pelos homens (Contribuições à psicologia do amor I). In: ______. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Tradução sob direção geral de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago.
FREUD, S. Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor (Contribuições à psicologia do amor II). In: ______. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Tradução sob direção geral de Jayme Salomão. RJ.
FREUD, S. O tabu da virgindade (Contribuições à psicologia do amor III). In: ______. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Tradução sob direção geral de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1917 -1918/1970.
LACAN, J. O seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
________. O seminário, livro 4: a relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
________. El seminário, livro 5: las formaciones del inconsciente. Buenos Aires.
_______. De uma questão preliminar a todo tratamento possível.  
_______. O seminário, livro 6: o desejo e sua interpretação, 1959.
_______. O seminário, os não-tolos erram. 1973. 

Ψ Fatima Vieira - Psicóloga Clínica 

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