quarta-feira, 17 de setembro de 2008

"Memória" - Cecilia Meireles

"MINHA FAMÍLIA ANDA LONGE,
COM TRAJOS DE CIRCUNSTÂNCIA:
UNS CONVERTERAM-SE EM FLORES,
OUTROS EM PEDRA, ÁGUA, LÍQUEN;
ALGUNS, DE TANTA DISTÂNCIA,
NEM TEM VESTÍGIOS QUE INDIQUEM
UMA CERTA ORIENTAÇÃO.
...TÃO LONGE, A MINHA FAMÍLIA!

TÃO DIVIDIDA EM PEDAÇOS!
UM PEDAÇO EM CADA PARTE...
PELAS ESQUINAS DO TEMPO,
BRINCAM MEUS IRMÃOS ANTIGOS:
UNS ANJOS, OUTROS PALHAÇOS...
SEUS VULTOS DE LABAREDA
ROMPEM-SE COMO RETRATOS
FEITOS EM PAPEL DE SEDA.
VEJO LÁBIOS, VEJO BRAÇOS,
-POR UM MOMENTO PERSIGO-OS;
DE REPENTE OS MAIS EXATOS
PERDEM SUA EXATIDÃO.
SE FALO, NADA RESPONDE.
DEPOIS, TUDO VIRA VENTO,
E NEM O MEU PENSAMENTO
PODE COMPREENDER
POR ONDE PASSARAM
NEM ONDE ESTÃO.
MINHA FAMÍLIA ANDA LONGE.

REFLETE-SE EM MINHA VIDA,
MAS NÃO ACONTECE NADA:
POR MAIS QUE EU ESTEJA LEMBRADA,
ELA SE FAZ DE ESQUECIDA:
NÃO HÁ COMUNICAÇÃO!
UNS NUVEM, OUTROS, LESMA...
VEJO AS ASAS,
SINTO OS PASSOS
DE MEUS ANJOS E PALHAÇOS,
NUMA AMBÍGUA TRAJETÓRIA
DE QUE SOU O ESPELHO E A HISTÓRIA.
MURMURO PARA MIM MESMA:"É TUDO IMAGINAÇÃO!"
MAS SEI QUE TUDO É MEMÓRIA..."

Um comentário:

Unknown disse...

Grandiosa e ao mesmo tempo tão singela declaração de amor...